Os dois cavaleiros do apocalipse
Bolívar Lamounier
E
ngana-se quem pensa que o fundamentalismo político é
privativo dos que se identificam como “de esquerda”. Agora,
nos escombros deixados pelo furacão Dilma Rousseff,
surgiu um fundamentalismo que se apresenta como “de direita”
e que àquele se assemelha em certos aspectos cruciais. Refiro-
-me ao bolsonarismo.
O fundamentalismo de esquerda, cujo principal representante
entre nós é o petismo, prometia conduzir-nos ao paraíso terrestre
da sociedade sem classes. O bolsonarismo promete passar o país
a limpo com uma só cajadada, livrando-o do crime, da corrupção,
do patrimonialismo e do corporativismo.
Assentado sobre uma crença infantil num big-bang primor-
dial, num imaginário quilômetro zero, isento de marcas negativas
deixadas pela História, ele se propõe, como objetivo, a refazer o
país de alto a baixo. A questão de fundo é de uma clareza meri-
diana. Este novo fundamentalismo surgiu entre os escombros
deixados pelo furacão Dilma Rousseff. Juntos, o colapso econô-
mico e a corrupção sistêmica aguçaram o desejo de mudança.
Agora todos querem (queremos) mudanças profundas, enérgicas,
abrangentes – o que é ótimo. Mas daí ao mito romântico do
big-bang primordial e aos mantras do “governo forte” e do “salva-
dor da pátria” vai uma grande distância.
Assim como o fundamentalismo esquerdista, o bolsonarismo
tende ao pensamento mágico, com certo cariz totalitário. O que
lhe escapa, e é a pedra angular da filosofia liberal-democrática, é
que todos os governos têm sua ação necessariamente limitada
pela realidade social. Mais ainda no regime democrático, a polí-
tica é sempre e necessariamente uma atividade com fins limita-
dos. A “refundação radical” e o quilômetro zero não passam de
piedosas lorotas.
Esta limitação fundamental se deve, desde logo, à escassez, ou
seja, ao montante sempre insuficiente dos recursos que um
governo é capaz de mobilizar, a fim de resolver de forma cabal os
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