À beira do precipício pd51 | Page 49

Os dois cavaleiros do apocalipse Bolívar Lamounier E ngana-se quem pensa que o fundamentalismo político é privativo dos que se identificam como “de esquerda”. Agora, nos escombros deixados pelo furacão Dilma Rousseff, surgiu um fundamentalismo que se apresenta como “de direita” e que àquele se assemelha em certos aspectos cruciais. Refiro- -me ao bolsonarismo. O fundamentalismo de esquerda, cujo principal representante entre nós é o petismo, prometia conduzir-nos ao paraíso terrestre da sociedade sem classes. O bolsonarismo promete passar o país a limpo com uma só cajadada, livrando-o do crime, da corrupção, do patrimonialismo e do corporativismo. Assentado sobre uma crença infantil num big-bang primor- dial, num imaginário quilômetro zero, isento de marcas negativas deixadas pela História, ele se propõe, como objetivo, a refazer o país de alto a baixo. A questão de fundo é de uma clareza meri- diana. Este novo fundamentalismo surgiu entre os escombros deixados pelo furacão Dilma Rousseff. Juntos, o colapso econô- mico e a corrupção sistêmica aguçaram o desejo de mudança. Agora todos querem (queremos) mudanças profundas, enérgicas, abrangentes – o que é ótimo. Mas daí ao mito romântico do big-bang primordial e aos mantras do “governo forte” e do “salva- dor da pátria” vai uma grande distância. Assim como o fundamentalismo esquerdista, o bolsonarismo tende ao pensamento mágico, com certo cariz totalitário. O que lhe escapa, e é a pedra angular da filosofia liberal-democrática, é que todos os governos têm sua ação necessariamente limitada pela realidade social. Mais ainda no regime democrático, a polí- tica é sempre e necessariamente uma atividade com fins limita- dos. A “refundação radical” e o quilômetro zero não passam de piedosas lorotas. Esta limitação fundamental se deve, desde logo, à escassez, ou seja, ao montante sempre insuficiente dos recursos que um governo é capaz de mobilizar, a fim de resolver de forma cabal os 47