À beira do precipício pd51 | Page 34

não há inocentes . Em nosso país , sob a capa de um radicalismo primitivo houve , antes , a virulência das corporações em defesa de antigos e novos privilégios . A catastrófica divisão da sociedade nada teve de revolucionário , nem no antigo sentido da palavra “ revolução ” nem no novo , que ainda não se conhece , mas , com certeza , dispensará a violência . Não houve a criação de conceitos ético-políticos , a busca de consensos amplos , a proposição de avanços coletivamente experimentados como tais .
E a reação , como era previsível , não iria fazer-se esperar . Já agora , entre outros sinais , uma violência simbólica inusitada – que é preciso apreender em toda a extensão para dela nos distanciarmos – reside na ameaçadora coreografia de fuzis em posição de tiro que capturou a imaginação e a vontade de tantos cidadãos , na expectativa de uma redenção pela submissão a um mito irracional . Nenhum refinamento ou elaboração catártica , mas , sim , a proposição da força em lugar do pensamento , a destruição da razão em lugar da sua primazia .
O jogo , contudo , não está jogado e não termina neste outubro . Homens e mulheres razoáveis de todos os quadrantes estamos chamados a tecer novos enredos e narrativas – em interminável diálogo plural , como doravante haveremos conscientemente de fazer .
A refundação necessária
Há formas e formas de encarar situações críticas , e lá diz o poeta que mesmo um copo vazio , bem observado , está cheio de ar . Em meio às agruras presentes , pressentimos , às vezes sem plena e cabal consciência , que a Carta de 1988 é o que impede sobressaltos , como a convocação de constituintes exclusivas para tal ou qual finalidade , especialmente a reforma política – que há de vir , mas por outros meios . Entre candidatos presidenciais bem posicionados , existem os afeitos à ideia de aumentar perigosamente a eletricidade ambiente , tornando-a mais “ intensa ”, seja qual for o significado disso . Afinal , vivemos tempos de crise das democracias e os remédios que se aviam em laboratórios de fundo de quintal nem sempre trazem a cura , quando não são , como no caso dos populismos , piores do que o próprio mal .
Paradoxos não faltam . As instituições de controle se ativaram como nunca . Excessos à parte , puseram a nu mecanismos de financiamento político-partidário de cuja existência suspeitáva-
32 Luiz Sérgio Henriques