À beira do precipício pd51 | Page 31

de modo latente em Ciro Gomes, embora se apresente como herdeiro da experiência do lulismo. Narrativas são apenas narrativas. Na vida real, fora os candi- datos que parecem habitar em hospícios – pegando carona em divertida crônica de Fernando Gabeira – ou viver, nas primeiras décadas do século 20, no seu culto a experimentos falidos, os demais, principalmente os de ofício na política, não ignoram que tanto o movimento das coisas quanto o dos homens e das mulhe- res apontam, de modo inexorável, para o fim da era Vargas, esti- cada até o limite pelo seu pastiche do lulismo. O patriarcalismo – uma das pedras de sustentação do autori- tarismo em nossa sociedade, exemplar no São Bernardo, de Graci- liano Ramos – está com seus dias contados e aqui e alhures o gênio de Keynes não serve mais para guiar nossos passos na economia de hoje, como no íntimo um acadêmico, como o candi- dato Fernando Haddad, não pode desconhecer. Paixões e interesses à parte, estaremos no tempo que se abre adiante no terreno áspero e difícil das transições em que não é mais noite e o dia ainda não chegou, cabendo à política bem compreen- dida acelerar sua festiva aparição. Contudo não poderemos fechar os olhos aos perigos que nos rondam, pondo em xeque a singular cultura que aqui criamos, nós brancos, índios e negros, tudo errati- camente misturado, sem identidade definida, porque somos, como sustentava o gênio de Euclides da Cunha, uma construção voltada para futuro em busca da realização de ideais civilizatórios. O Brasil não pode ser uma cabeça de ponte na nuestra América para o fascismo em qualquer dos disfarces com que se apresente. Transições 29