Os desafios são enormes, a desigualdade é brutal, há excessos
e desperdícios de todo tipo, ao lado de carências em praticamente
todos os setores da vida nacional, os privilégios (sociais, de renda,
políticos, educacionais, tributários) se reproduzem sem cessar,
protegendo os mais ricos e onerando as camadas médias e os
grupos mais pobres. Falta saneamento básico para metade da
população, o sistema escolar ensina pouco, a cultura está aban-
donada, há uma sensação geral de que nada funciona bem, nem
sequer nas olhas mais ricas da sociedade.
O incêndio trágico que destruiu o Museu Nacional no Rio de
Janeiro parece o emblema de um país em ruínas.
A crise política – que é moral, técnica, institucional – ricoche-
teia em tudo, bloqueando a vigência da racionalidade democrática
e o surgimento de elites generosas, dispostas ao sacrifício, cons-
cientes de uma transição epocal que, hoje, se processa às cegas.
As cúpulas da sociedade, onde estão os políticos, os juízes, os
governantes, os intelectuais, os líderes corporativos, os professo-
res, os médicos, os advogados, os engenheiros, os cientistas, os
artistas, aqueles todos que formam opinião, rebaixaram-se às
conveniências do momento, aos frêmitos da indignação postiça,
às artimanhas para não perder o protagonismo, seja lá o que se
entenda por isso. E o que se vê é uma sucessão interminável de
manobras de efeito, acertos de bastidores, narrativas insensatas e
discursos empolados, que pouco têm a ver com o país real e que
não se comunicam com a população. Mesmo as pregações mais
inflamadas e “radicais” terminam por ceder aos poderosos, sob a
desculpa de que é preciso fazer justiça com as próprias mãos ou
conclamar o povo a se mobilizar por seus “heróis”. Entre as elites
propriamente estatais, vigora a prática de por panos quentes em
tudo o que gere ruído, mesmo quando isso confronte o que está
instituído para proteger a democracia.
Candidatos presidenciais que prometem “ordem e autoridade”
e falam em resolver tudo à bala fazem par com um político preso
que diz ser alvo de um golpe e promete fazer o povo ser feliz de
novo, enquanto os demais postulantes ao cargo magno da nação
tartamudeiam, sem se darem conta do perigo que estão todos a
correr, da urgência da hora presente, da gravidade do momento.
Os primeiros não têm estrutura de campanha, carecem de
serenidade, cordialidade e pudor, são toscos e agressivos, mas inte-
ragem com uma legião de brasileiros reacionários, indignados, sem
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Marco Aurélio Nogueira