À beira do precipício pd51 | Page 16

Estado do capital ou qualquer outra baboseira do tipo. A esquerda que assim procede – seja a política, seja a intelectual – parou no tempo, contribui pouquíssimo para que a sociedade assimile os tempos complexos da política e da luta política, os desafios da democracia, entre os quais está a capacidade de tolerar e respei- tar os que pensam de forma diferente ou estão em outros campos políticos e ideológicos. A extrema-direita que assim pensa – sim, ela também – nos empurra para trás com suas grosserias e agres- sões, seu fundamentalismo tosco e retrógrado. Dirão que quem planta chuva colhe tempestade, que quem prega a violência recebe a violência de volta. É uma visão estreita, que justifica o injustificável mediante um exercício de relativização que termina por responsabilizar a vítima. É inaceitável que uma versão desse tipo saia da boca de candidatos, intelectuais ou formadores de opinião, porque eles são protagonistas centrais de um momento da vida social que precisa ser pedagógico, educativo. A polarização escapou do razoável. Não se reveste mais de razões filosóficas, diferenças programáticas ou ideologias. Tornou-se veneno puro, que já há tempos vem corroendo e into- xicando amizades, relações familiares, convivências, degra- dando mentes, gerando perturbações, angústias e ansiedades em pessoas que têm a vida para viver. É uma deformação que deveria ser combatida por todos, no mínimo porque com sua vigência não conseguimos respirar direito. Insuflar ânimos, agredir adversários e transformá-los em inimigos, ofender divergentes e antagonistas, difamar e espalhar notícias inverídicas para agitar e chantagear, são práticas que desonram a democracia e bloqueiam a vida civilizada. Radicaliza- ções que levam a dinâmicas “nós contra eles”, os bons e os maus, os santos e os golpistas, são o caminho mais curto para a quebra do pacto democrático que nos sustenta, ou deveria. Em algum momento, em alguma curva da estrada, o “nós contra eles” termina por se tornar a versão diabólica do “eles contra nós todos”. Quem esfaqueou Bolsonaro diz ter agido a mando de Deus, para acertar as contas com um candidato que o provocava. Pouco importam as razões que apresentou. A vida é feita de intenções e efeitos não intencionais, de motivos e desdobramentos. Todo ato é uma coisa em si, pode não chegar a ser um ato para si, mas sempre pode repercutir. Em política, isso é ainda mais forte. Quem ataca um candidato, um parlamentar ou alguém de quem 14 Marco Aurélio Nogueira