Tempo de choques,
atritos e facadas
Marco Aurélio Nogueira
U
ma inesperada facada, no meio da multidão, quase fez com
que um corpo se estendesse no chão em meio à mais tensa
e enigmática campanha presidencial das últimas décadas.
A facada foi em Jair Bolsonaro, candidato do PSL, assim como
meses atrás o alvo havia sido Marielle e um ônibus do PT. Sangue,
fúria e ódio mal calibrados, que espirram na vida coletiva, afetam
a todos nós, ferem a democracia.
Disputas políticas não levam a lugar nenhum quando incluem
a eliminação física dos adversários. Especialmente em condições
democráticas, nas quais a “guerra” se faz de outro modo. A polí-
tica precisa se afirmar não como poder, mas como convite ao
diálogo, à moderação, à mediação do que é diverso e plural.
Tudo isso é mais que sabido, mas de tempos em tempos os
atores perdem a memória. Numa sociedade em cujo DNA a
democracia entrou tardiamente e de forma seletiva, mais como
sistema do que como valor, são muitos os que não conseguem
entender aquilo que é procedimento obrigatório, exigência,
custo, “sacrifício”: ninguém está autorizado a se afirmar pela
força, contra a vontade da maioria, desprezando leis e institui-
ções construídas coletivamente.
Não há nem sequer a possibilidade de que se diga, para justi-
ficar o fanatismo, o exagero, a agitação pueril, que leis e institui-
ções foram impostas por oligarquias e classes dominantes, pelo
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