ZINT Jun. 2017 | Page 41

distribuição e consumo. “A Netflix é uma nova plataforma para oferecer conteúdo pago, o que, em princípio, é bom e enriquecedor. No entanto, esta nova forma de consumo não pode tentar substituir as já existentes, como ir ao cinema, não pode alterar o hábito de espectadores, e acho que esse é o debate agora. Para mim, a solução é simples: as novas platafor- mas devem respeitar as regras atuais, tais como a existên- cia de janelas de exibição, e cumprir as regras de inves- timento que já regulam as televisões. É a única maneira de coexistir. Parece um enorme paradoxo dar uma Palma de Ouro ou qualquer outro prêmio a um filme que não pode ser visto na tela grande. Respeito as novas tecnologias, mas enquanto continuar vivo vou defender algo que as novas gerações parecem não conhecer: a capacidade hipnó- tica de uma tela. Acho que a tela em que vemos um filme pela primeira vez não pode ser parte da nossa mobília, temos que ser pequenos para estar dentro do filme que nos captura” – Pedro Almo- dóvar sobre a polêmica decisão da Netflix. O cineasta Pedro Ribeiro menciona que essa dis- cussão protagonizada pela Netflix aponta uma certa “crise cultural e artística” responsável por assolar não só a indústria como tam bém os meios de consumo do público e sustenta tal apontamento com um fato que presenciou na própria carreira profissional, “Quando fui curador de um festival em Belo Horizonte, fiquei extremamente triste porque nem mesmo meus colegas de cinema iam às sessões [gratuitas] no Cine Humberto Mauro, mas pediam fervorosamente os links dos filmes online para assistir em casa”. Por outro lado, “na França [onde reside atualmente], não importa o dia da semana, os cinemas [a maioria] ficam lotados para quase todo fil- me, independente do preço”, demonstrando, talvez, que o problema cultural envolva também uma questão de tradições e costumes locais. O Mestre em Comunicação e Doutor em Artes Eduardo de Jesus acrescenta que a polêmica é complexa e se coloca nas mais diversas frentes de discussão: “existe um exercício de poder que se coloca cada vez que os suportes de difusão da produção audio- visual mudam ou se expandem. Com o streaming não é diferente e novas complexidades são inauguradas”. Além da Netflix, existem cerca de 20 ou mais serviços de streaming responsáveis por fomentar a produção independente e autoral, como é o caso do Afroflix . “Acho que a exibição cinematográfica na sala de cinema é uma forma central e muito importante, mas não é única”, complementa o professor que percebe que estamos experimentando um redimensionamento das formas de distribuição que passam também pelas já popu- larizadas plataformas cotidianas do YouTube e do Vimeo. Fato é que diante da atual polêmica a organização do Festival de Cannes anunciou que filmes que não tiverem devida circula- ção em salas francesas não estarão aptos a competir pelo o Palma de Ouro a partir da próxima edição. Com certeza o assunto não será encerrado e ainda vai permear por outros fes- tivais e premiações mundo afora até que haja alguma harmonia. Percebemos aqui que as discussões são am- plas e envolventes, portan- to é necessário que todas as partes se façam com- preendidas a fim de que as conclusões ou soluções encontradas pela indústria não deixem de reconhecer grandes obras só pelos seus meios de distribuição. Acho que a exibição cinematográfica na sala de cinema é uma forma central e muito importante, mas não é única Ben Stiller e Adam Sandler atuam juntos em “The Meyerowitz Stories”, um dos dois filmes da Netflix que concorriam ao Palma de Ouro zint.online | 41