ZINT Jun. 2017 | Page 27

em várias frentes, inclusive na ótima frase “Qualquer um pode cozinhar”, mote do filme. O longa foi baseado no suicídio do Chef Bernard Loiseua, que fora motivo pelo medo de perder sua terceira estrela do Guia Michelin em 2003, quando tinha 52 anos. A pressão no ambiente da cozinha profissional, especialmente na competitiva cozinha francesa submetida ao rigor extremo do Michelin (hoje com menos poder do que na época, depois da emergência da revista inglesa The Restaurant com sua lista dos 50 melhores do mundo), leva muitos Chefs à um stress imenso para manter suas estrelas conquistadas. Perder uma estrela pode ser encarado como um vexame ou o começo da decadência, podendo afetar toda a estrutura que os Chefs estrelados tem, como dar seu nome à hotéis, linha de produtos licenciados e programas de TV. No filme, Loiseua é representado pelo bonachão e simpático Chef Auguste Gusteau, que morre pelo mesmo motivo – mas claro, não foi suicídio – e ressurge como um espírito que aconselha o rato Remy. Contudo, hoje o poder do Guia Michelin foi transferido para a revista inglesa The Restaurant que publica anualmente a lista dos “50th Best” restauran- tes do mundo. A repercussão midiática da publicação é enorme ao eleger o trabalho de Chefs em todos os continentes, dando visibilidade internacional a res- taurantes de países que o Guia Michelin não alcança e premiando um novo tipo de conceito. A revolução foi grande uma vez que na linha de premiação da revista a valorização está na cozinha regional, com foco em produtos orgânicos e em restaurantes que  aboliram a toalha de mesa, os jogos americanos e apresentam suas criações esculpidas como obras de arte montados em pratos de cerâmica. O peso do poder da revista foi sentido quan- do Alain Ducasse, o Chef que melhor simboliza o sucesso no Guia Michelin começou a perder clientes e reformou seu restaurante no hotel Plaza Athené, em Paris, tirando as toalhas de mesa, as luvas dos garçons e a caneta Cartier para assinar a conta.  A Bernard Loiseua é o Chef francês utilizado como inspiração para a criação do divertido Chef Gusteau The Restaurant consagrou Chefs como Virgilio Martinez do Peru, Vladimir Mukhin de Moscou, o brasileiro Alex Atala, René Redzepi em Cope- nhaguen e Zaiyu Hasegawa em Tóquio, que além da premiação ainda se tornaram temas de episódios do prestigiado Chefs Table da Netflix . Se fosse produzido hoje, a proposta de Remy seria fazer cozinha local defendendo os ingredientes orgânicos e o trabalho dos pequenos produtores. A consagração pela comida da infância será sempre pertinente, mas a equipe de trabalho do salão seria modernizada, a ambientação seria mais simples e descomplicada e o foco estaria em retornar ao ranking dos “50th Best”. Rattatouille inovou na estrutura de um dese- nho animado que retrata o universo da gastronomia, colocando um rato como cozinheiro – o pior pavor para qualquer restaurante é ter um rato na cozinha –, brincando com o folclore de que em cozinha de restaurante só dá tipos esquisitos. O filme ainda traz uma das primeiras protagonistas femininas com cará- ter independente e feminista (ao passo que o meio da gastronomia ainda é machista) e mostra a diferença entre quem come qualquer coisa e quem busca se esmerar pela sutilização da experiência gastronômica transformando o rito vital e trivial de comer em obra de arte. Cena do filme Ratatouille (2007), onde o rato Remy é surpreendido pelo humano Linguini, no exato momento em que o pequeno roedor está arrumando o desastroso prato do aspirante à chef 27