em várias frentes, inclusive na ótima frase “Qualquer
um pode cozinhar”, mote do filme.
O longa foi baseado no suicídio do Chef Bernard
Loiseua, que fora motivo pelo medo de perder sua
terceira estrela do Guia Michelin em 2003, quando
tinha 52 anos. A pressão no ambiente da cozinha
profissional, especialmente na competitiva cozinha
francesa submetida ao rigor extremo do Michelin
(hoje com menos poder do que na época, depois da
emergência da revista inglesa The Restaurant com
sua lista dos 50 melhores do mundo), leva muitos
Chefs à um stress imenso para manter suas estrelas
conquistadas.
Perder uma estrela pode ser encarado como um
vexame ou o começo da decadência, podendo afetar
toda a estrutura que os Chefs estrelados tem, como
dar seu nome à hotéis, linha de produtos licenciados
e programas de TV. No filme, Loiseua é representado
pelo bonachão e simpático Chef Auguste Gusteau,
que morre pelo mesmo motivo – mas claro, não foi
suicídio – e ressurge como um espírito que aconselha
o rato Remy.
Contudo, hoje o poder do Guia Michelin foi
transferido para a revista inglesa The Restaurant que
publica anualmente a lista dos “50th Best” restauran-
tes do mundo. A repercussão midiática da publicação
é enorme ao eleger o trabalho de Chefs em todos os
continentes, dando visibilidade internacional a res-
taurantes de países que o Guia Michelin não alcança
e premiando um novo tipo de conceito.
A revolução foi grande uma vez que na linha de
premiação da revista a valorização está na cozinha
regional, com foco em produtos orgânicos e em
restaurantes que aboliram a toalha de mesa, os jogos
americanos e apresentam suas criações esculpidas
como obras de arte montados em pratos de cerâmica.
O peso do poder da revista foi sentido quan-
do Alain Ducasse, o Chef que melhor simboliza o
sucesso no Guia Michelin começou a perder clientes
e reformou seu restaurante no hotel Plaza Athené,
em Paris, tirando as toalhas de mesa, as luvas dos
garçons e a caneta Cartier para assinar a conta. A
Bernard Loiseua é o
Chef francês utilizado
como inspiração para
a criação do divertido
Chef Gusteau
The Restaurant consagrou Chefs como Virgilio
Martinez do Peru, Vladimir Mukhin de Moscou,
o brasileiro Alex Atala, René Redzepi em Cope-
nhaguen e Zaiyu Hasegawa em Tóquio, que além
da premiação ainda se tornaram temas de episódios do
prestigiado Chefs Table da Netflix .
Se fosse produzido hoje, a proposta de Remy
seria fazer cozinha local defendendo os ingredientes
orgânicos e o trabalho dos pequenos produtores. A
consagração pela comida da infância será sempre
pertinente, mas a equipe de trabalho do salão seria
modernizada, a ambientação seria mais simples
e descomplicada e o foco estaria em retornar ao
ranking dos “50th Best”.
Rattatouille inovou na estrutura de um dese-
nho animado que retrata o universo da gastronomia,
colocando um rato como cozinheiro – o pior pavor
para qualquer restaurante é ter um rato na cozinha
–, brincando com o folclore de que em cozinha de
restaurante só dá tipos esquisitos. O filme ainda traz
uma das primeiras protagonistas femininas com cará-
ter independente e feminista (ao passo que o meio da
gastronomia ainda é machista) e mostra a diferença
entre quem come qualquer coisa e quem busca se
esmerar pela sutilização da experiência gastronômica
transformando o rito vital e trivial de comer em obra
de arte.
Cena do filme Ratatouille (2007), onde o rato
Remy é surpreendido pelo humano Linguini, no
exato momento em que o pequeno roedor está
arrumando o desastroso prato do aspirante à chef
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