Wink Wink Mag #22 | Page 95

de repente noel Seis meses antes do Natal, Anuar Riskallah para de cortar os cabelos e a barba; em dezembro, o traje vermelho e as botas pretas saem do armário para completar o visual Barba e cabelos brancos, suspensórios e aquele ar camarada que soa tão familiar. Impossível não notar a presença de Anuar Riskallah por onde quer que ele passe. Se para os adultos a figura desperta a atenção, para as crianças não deixa dúvidas: ali está o bom velhinho disfarçado. “Um dia eu estava almoçando no restaurante e ao lado sentou uma menininha que não queria comer. Pisquei para o pai dela e perguntei à criança: ‘você sabe quem eu sou?’ Ela respondeu: ‘Papai Noel’. Então pedi segredo, disse que ninguém poderia saber, e falei que se ela não comesse eu não levaria presentes no Natal. Me contaram que, a partir daquele dia, ela passou a comer direitinho. E na escola contou pra todo mundo que sempre vê o Papai Noel.” Paulistano de Boituva, Anuar morou por 66 anos em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, até se mudar para Londrina, onde vive a maior parte de sua família. Nunca imaginou que um dia encarnaria a lendária figura natalina até se ver com cabelos e barba brancos e conhecer a ONG Viver. “No primeiro ano que fiz o Papai Noel de lá, tiraram uma foto minha com uma criança no colo e mandaram para todo mundo; acabei ficando automaticamente filiado”, diverte-se. Para tornar a caracterização ainda mais fiel, há cinco anos Anuar segue uma rotina: a partir do mês de junho, para de cortar os cabelos e a barba. Em dezembro, o traje vermelho e as botas pretas saem do armário para completar o visual. Além da ONG Viver, visita hospitais e outras entidades, distribuindo presentes previamente arrecadados pelas instituições. Esporadicamente faz trabalhos particulares, nas casas de família, e doa o dinheiro para a ONG. “Eu recebo lá de cima; o pagamento é mais valioso”, garante. “O personagem é muito forte, traz muita alegria para as pessoas e isso me faz muito bem. Não sei se faço por elas ou por mim, mas faço com muito prazer”, diz. Curiosamente, uma das histórias que mais marcaram a trajetória de Anuar como Papai Noel não veio de uma criança propriamente dita. Mas da criança que morava na memória de uma senhora. No início da “carreira”, quando estava compondo os trajes do personagem, ele foi até uma loja para trocar as lentes dos óculos e a vendedora perguntou se era para a fantasia do bom velhinho. Ela contou que o avô se vestia assim todos os anos para entregar os presentes para a mãe dela, que nunca mais tinha visto um Papai Noel de perto depois que o pai morreu. A garota queria dar esse presente à mãe. Anuar topou a tarefa. “Quando essa senhora me viu, arregalou os olhos, me abraçou e tremia de emoção. Foi uma coisa que me marcou muito: a força do personagem”, conta. As visitas ao Hospital do Câncer também são especiais. “Papai Noel chega, aperta a mão e os olhos brilham; brilho de vida, sabe? Aquele brilho de quem quer viver. Marca demais. Minha esposa morreu de câncer; o que senti por ela sinto pelos outros, mas a gente não pode mostrar que está triste porque vai lá para levar alegria.” A solidariedade é uma máxima de família. Anuar teve a ideia de se vestir de Papai Noel quando passou a acompanhar a sobrinha, a jornalista Helenida Tauil, nas visitas aos hospitais no dia de Natal. Desde então, procura passar o exemplo adiante, aumentando a corrente do bem. “Sempre que encontro alguém cabeludo, pergunto se pensa em cortar os cabelos. E dou meu telefone. Quando me ligam vou buscar e levo para a ONG fazer perucas para as crianças. Um dos rapazes com quem falei me ligou três anos depois avisando que ia cortar; minha filha que mora em São Paulo já mandou os cabelos duas vezes para cá”, relata. “São coisinhas que não custam nada. E, se alguém tem que fazer, por que não a gente? Isso pode inspirar os outros. As pessoas não são fruto do meio; o meio é fruto das pessoas”, ensina, com a sabedoria de quem faz a diferença. WINK mag 97