de repente
noel
Seis meses antes do Natal, Anuar Riskallah
para de cortar os cabelos e a barba; em
dezembro, o traje vermelho e as botas pretas
saem do armário para completar o visual
Barba e cabelos brancos, suspensórios e aquele ar
camarada que soa tão familiar. Impossível não notar
a presença de Anuar Riskallah por onde quer que ele
passe. Se para os adultos a figura desperta a atenção,
para as crianças não deixa dúvidas: ali está o bom
velhinho disfarçado.
“Um dia eu estava almoçando no restaurante e ao
lado sentou uma menininha que não queria comer.
Pisquei para o pai dela e perguntei à criança: ‘você sabe
quem eu sou?’ Ela respondeu: ‘Papai Noel’. Então pedi
segredo, disse que ninguém poderia saber, e falei que
se ela não comesse eu não levaria presentes no Natal.
Me contaram que, a partir daquele dia, ela passou a
comer direitinho. E na escola contou pra todo mundo
que sempre vê o Papai Noel.”
Paulistano de Boituva, Anuar morou por 66 anos em São
Bernardo do Campo, no ABC paulista, até se mudar para
Londrina, onde vive a maior parte de sua família. Nunca
imaginou que um dia encarnaria a lendária figura natalina
até se ver com cabelos e barba brancos e conhecer a ONG
Viver. “No primeiro ano que fiz o Papai Noel de lá, tiraram
uma foto minha com uma criança no colo e mandaram
para todo mundo; acabei ficando automaticamente
filiado”, diverte-se.
Para tornar a caracterização ainda mais fiel, há cinco
anos Anuar segue uma rotina: a partir do mês de junho,
para de cortar os cabelos e a barba. Em dezembro, o
traje vermelho e as botas pretas saem do armário para
completar o visual. Além da ONG Viver, visita hospitais
e outras entidades, distribuindo presentes previamente
arrecadados pelas instituições. Esporadicamente
faz trabalhos particulares, nas casas de família, e
doa o dinheiro para a ONG. “Eu recebo lá de cima; o
pagamento é mais valioso”, garante. “O personagem
é muito forte, traz muita alegria para as pessoas e isso
me faz muito bem. Não sei se faço por elas ou por mim,
mas faço com muito prazer”, diz.
Curiosamente, uma das histórias que mais marcaram a
trajetória de Anuar como Papai Noel não veio de uma
criança propriamente dita. Mas da criança que morava na
memória de uma senhora. No início da “carreira”, quando
estava compondo os trajes do personagem, ele foi até
uma loja para trocar as lentes dos óculos e a vendedora
perguntou se era para a fantasia do bom velhinho. Ela
contou que o avô se vestia assim todos os anos para
entregar os presentes para a mãe dela, que nunca mais
tinha visto um Papai Noel de perto depois que o pai
morreu. A garota queria dar esse presente à mãe. Anuar
topou a tarefa. “Quando essa senhora me viu, arregalou
os olhos, me abraçou e tremia de emoção. Foi uma coisa
que me marcou muito: a força do personagem”, conta.
As visitas ao Hospital do Câncer também são especiais.
“Papai Noel chega, aperta a mão e os olhos brilham; brilho
de vida, sabe? Aquele brilho de quem quer viver. Marca
demais. Minha esposa morreu de câncer; o que senti por
ela sinto pelos outros, mas a gente não pode mostrar que
está triste porque vai lá para levar alegria.”
A solidariedade é uma máxima de família. Anuar teve
a ideia de se vestir de Papai Noel quando passou a
acompanhar a sobrinha, a jornalista Helenida Tauil, nas
visitas aos hospitais no dia de Natal. Desde então, procura
passar o exemplo adiante, aumentando a corrente do
bem. “Sempre que encontro alguém cabeludo, pergunto
se pensa em cortar os cabelos. E dou meu telefone.
Quando me ligam vou buscar e levo para a ONG fazer
perucas para as crianças. Um dos rapazes com quem falei
me ligou três anos depois avisando que ia cortar; minha
filha que mora em São Paulo já mandou os cabelos duas
vezes para cá”, relata.
“São coisinhas que não custam nada. E, se alguém tem
que fazer, por que não a gente? Isso pode inspirar os
outros. As pessoas não são fruto do meio; o meio é
fruto das pessoas”, ensina, com a sabedoria de quem
faz a diferença.
WINK mag 97