Quem? Sixto Rodriguez? Sixto?! Nunca ouvi falar. Sixto...como se
escreve? De onde ele é mesmo? Ah, África do Sul... Não, não, nunca
ouvi falar mesmo. Estas questões estarão na boca de nove entre
dez pessoas com ou sem informação musical no mínimo razoável.
E é compreensível. Mas a incrível história deste norte-americano de
ascendência mexicana saído da classe operária foi acolhida pelo
cinema. E felizmente resultou em um belo e instigante filme, graças
a dois fãs sul-africanos e a um diretor sueco. Aliás, é um dos grandes
documentários deste início de século sobre um dos mais talentosos
músicos folk do século passado.
Foram somente dois discos editados no inicio dos anos 1970 (Cold
Fact e Coming From Reality), e que não causaram o menor ruído.
E uma lenda obscura que sugeria que ele havia morrido queimado
enquanto tocava em cima de um palco. Sixto Rodriguez, tímido
compositor de inequívocas feições latinas, cantor de rua de Detroit,
atraiu a atenção de vários produtores que viram nele um potencial
trovador de sua época. Mas ninguém sabe onde esteve o erro, ou o
que falhou para que suas belas e proféticas canções não ecoassem
para nenhum lado. Sua carreira mal nascia e já se findava, embalada
pelo triste presságio em forma de verso: “Porque eu perdi meu
trabalho, duas semanas antes do Natal”, na canção Cause. E então
sua figura esguia de meio mexicano por parte de pai, meio índio por
parte de mãe se perdeu nas noites poluídas de Detroit.
Sem que se saiba como – talvez um turista dos EUA com um vinil
embaixo do braço a caminho da África do Sul –, Rodriguez alcançou
fama inusita da nas principiais cidades sul-africanas e se converteu em
ícone musical da oposição ao apartheid e emblema do movimento
juvenil, em nível de Beatles, Stones e Dylan. Todos os elementos que
transformam um músico em estrela aconteceram, e o filme retrata isso
com muito calor humano: vendas milionárias, discos de ouro, hinos
geracionais e canções proibidas pelo governo de Pretória. Tudo isto
sem que Sixto Rodriguez tivesse ido à África ou soubesse dos fatos.
Onde estava Rodriguez? O que teria acontecido com o músico por
trás dos discos? Onde terminou seus dias? Ou em que buraco estaria
metido? A partir destas perguntas, e com uma história de bastidores
certamente alucinante, o realizador sueco Malik Bedjelloul inicia
uma investigação detetivesca não apenas para encontrar o músico
desaparecido, mas também para rastrear o dinheiro das vendas
milionárias dos discos e, em especial, para tentar entender como foi
gestada a lenda do Sugar Man (título de uma de suas canções).
Por meio de Steven Segerman, dono de uma loja de discos na
Cidade do Cabo, e do jornalista Brian Currin, o filme mantém o
espectador em permanente suspense que flui durante a trajetória
Sixto Rodriguez, cantor norteamericano de ascendência mexicana
que percorre três caminhos: as poucas pistas sobre Rodriguez, as
informações interpretadas a partir da produção meio amadora dos
dois vinis e as sugestões contidas em algumas enigmáticas letras das
musicas. Equilibrando como veículo narrativo as eloquentes canções
de Rodriguez – extensas prosas poéticas que criam paisagens
visuais sobre a realidade do musico e de seu entorno social –, o
documentário promove com inegável competência o encontro
entre o êxito de Rodriguez na África do Sul (sem e depois com sua
presença) e o silencioso anonimato nos Estados Unidos, retratando
uma noturna e nebulosa Detroit que torna ainda mais denso o
mistério em torno do cantor.
Com acertada utilização de animações em momentos pontuais,
e valendo-se de excepcional material de arquivo, Searching for
Sugar Man faz justiça ao verdadeiro conceito do herói musical da
classe operária: um artista da periferia de Detroit que, alheio ao êxito
de suas canções, passou a vida trabalhando como pedreiro na
construção civil. E que por isso mesmo foi explorado por empresários
inescrupulosos, como o roteiro registra sem rodeios. O efeito,
digamos, reparador do documentário ao expor a vida silenciosa de
Rodriguez e suas poderosas canções já justifica a importância do
filme, cujo discurso cinematográfico funciona como ferramenta
eficaz de transformação da realidade. A ampla circulação do filme
vem colocando Rodriguez, que foi desprezado pela indústria musical
dos EUA, no lugar em sempre mereceu estar.
Depois de quase quatro décadas de espera, aos 71 anos Rodriguez
hoje fez de seu sonho realidade. O terço final do filme mostra
o mesmo homem sensível de sempre, rodeado pela família e
desfilando as canções que conservam a mesma força demonstrada
nos anos 1970. A única diferença é que agora ele ganhou o suporte
de um público cativo que acredita na universalidade de sua música.
Em tempo, Searching for Sugar Man não foi lançado nos cinemas
brasileiros, mas foi exibido recentemente pelo canal pago HBO. O
filme pode ser comprado no iTunes, loja virtual da Apple, ou na
Amazon. Os dois únicos álbuns de Rodriguez foram relançados
nos EUA em 2009, em CD e vinil, pela gravadora Ligh in the Attic, e
também estão disponíveis para importação pela Amazon. A trilha
sonora do filme, com 15 composições, foi distribuída este ano no
Brasil pela Sony ao preço de R$ 30.
Além de conquistar o Oscar 2013 de melhor documentário,
Searching for Sugar Man também venceu na mesma categoria
no Bafta inglês e ganhou um Prêmio Especial do Júri do Sundance
Festival. À coleção de troféus, juntam-se outras quase três dezenas de
importantes prêmios internacionais.