Wink Wink Mag #22 | Page 105

Quem? Sixto Rodriguez? Sixto?! Nunca ouvi falar. Sixto...como se escreve? De onde ele é mesmo? Ah, África do Sul... Não, não, nunca ouvi falar mesmo. Estas questões estarão na boca de nove entre dez pessoas com ou sem informação musical no mínimo razoável. E é compreensível. Mas a incrível história deste norte-americano de ascendência mexicana saído da classe operária foi acolhida pelo cinema. E felizmente resultou em um belo e instigante filme, graças a dois fãs sul-africanos e a um diretor sueco. Aliás, é um dos grandes documentários deste início de século sobre um dos mais talentosos músicos folk do século passado. Foram somente dois discos editados no inicio dos anos 1970 (Cold Fact e Coming From Reality), e que não causaram o menor ruído. E uma lenda obscura que sugeria que ele havia morrido queimado enquanto tocava em cima de um palco. Sixto Rodriguez, tímido compositor de inequívocas feições latinas, cantor de rua de Detroit, atraiu a atenção de vários produtores que viram nele um potencial trovador de sua época. Mas ninguém sabe onde esteve o erro, ou o que falhou para que suas belas e proféticas canções não ecoassem para nenhum lado. Sua carreira mal nascia e já se findava, embalada pelo triste presságio em forma de verso: “Porque eu perdi meu trabalho, duas semanas antes do Natal”, na canção Cause. E então sua figura esguia de meio mexicano por parte de pai, meio índio por parte de mãe se perdeu nas noites poluídas de Detroit. Sem que se saiba como – talvez um turista dos EUA com um vinil embaixo do braço a caminho da África do Sul –, Rodriguez alcançou fama inusita da nas principiais cidades sul-africanas e se converteu em ícone musical da oposição ao apartheid e emblema do movimento juvenil, em nível de Beatles, Stones e Dylan. Todos os elementos que transformam um músico em estrela aconteceram, e o filme retrata isso com muito calor humano: vendas milionárias, discos de ouro, hinos geracionais e canções proibidas pelo governo de Pretória. Tudo isto sem que Sixto Rodriguez tivesse ido à África ou soubesse dos fatos. Onde estava Rodriguez? O que teria acontecido com o músico por trás dos discos? Onde terminou seus dias? Ou em que buraco estaria metido? A partir destas perguntas, e com uma história de bastidores certamente alucinante, o realizador sueco Malik Bedjelloul inicia uma investigação detetivesca não apenas para encontrar o músico desaparecido, mas também para rastrear o dinheiro das vendas milionárias dos discos e, em especial, para tentar entender como foi gestada a lenda do Sugar Man (título de uma de suas canções). Por meio de Steven Segerman, dono de uma loja de discos na Cidade do Cabo, e do jornalista Brian Currin, o filme mantém o espectador em permanente suspense que flui durante a trajetória Sixto Rodriguez, cantor norteamericano de ascendência mexicana que percorre três caminhos: as poucas pistas sobre Rodriguez, as informações interpretadas a partir da produção meio amadora dos dois vinis e as sugestões contidas em algumas enigmáticas letras das musicas. Equilibrando como veículo narrativo as eloquentes canções de Rodriguez – extensas prosas poéticas que criam paisagens visuais sobre a realidade do musico e de seu entorno social –, o documentário promove com inegável competência o encontro entre o êxito de Rodriguez na África do Sul (sem e depois com sua presença) e o silencioso anonimato nos Estados Unidos, retratando uma noturna e nebulosa Detroit que torna ainda mais denso o mistério em torno do cantor. Com acertada utilização de animações em momentos pontuais, e valendo-se de excepcional material de arquivo, Searching for Sugar Man faz justiça ao verdadeiro conceito do herói musical da classe operária: um artista da periferia de Detroit que, alheio ao êxito de suas canções, passou a vida trabalhando como pedreiro na construção civil. E que por isso mesmo foi explorado por empresários inescrupulosos, como o roteiro registra sem rodeios. O efeito, digamos, reparador do documentário ao expor a vida silenciosa de Rodriguez e suas poderosas canções já justifica a importância do filme, cujo discurso cinematográfico funciona como ferramenta eficaz de transformação da realidade. A ampla circulação do filme vem colocando Rodriguez, que foi desprezado pela indústria musical dos EUA, no lugar em sempre mereceu estar. Depois de quase quatro décadas de espera, aos 71 anos Rodriguez hoje fez de seu sonho realidade. O terço final do filme mostra o mesmo homem sensível de sempre, rodeado pela família e desfilando as canções que conservam a mesma força demonstrada nos anos 1970. A única diferença é que agora ele ganhou o suporte de um público cativo que acredita na universalidade de sua música. Em tempo, Searching for Sugar Man não foi lançado nos cinemas brasileiros, mas foi exibido recentemente pelo canal pago HBO. O filme pode ser comprado no iTunes, loja virtual da Apple, ou na Amazon. Os dois únicos álbuns de Rodriguez foram relançados nos EUA em 2009, em CD e vinil, pela gravadora Ligh in the Attic, e também estão disponíveis para importação pela Amazon. A trilha sonora do filme, com 15 composições, foi distribuída este ano no Brasil pela Sony ao preço de R$ 30. Além de conquistar o Oscar 2013 de melhor documentário, Searching for Sugar Man também venceu na mesma categoria no Bafta inglês e ganhou um Prêmio Especial do Júri do Sundance Festival. À coleção de troféus, juntam-se outras quase três dezenas de importantes prêmios internacionais.