Para compreendermos adequadamente a questão, precisamos
entender como as FFAA se tornaram protagonistas de nossa histó-
ria por meio da combinação de três fatores interligados: 1) o forta-
lecimento gradual da convicção, no último quartel do século XIX,
de que seu lugar entre as instituições nacionais dependeria mais
de sua própria organização (corporativa) do que do processo de
modernização, truncado pelo Estado escravista à sombra da
Constituição de 1824; 2) o fato de que a decadência do modo
escravista de produção solapava as bases da autoridade do Poder
Moderador (Monarquia), ameaçando a unidade e a ordem nacio-
nal, sem que outra instituição civil lhe ocupasse o lugar; 3) a
constatação de que a incipiência da sociedade civil existente, a
par da fragilidade das instituições civis de poder, representavam
o perigo efetivo de uma luta fratricida entre os brasileiros.
Enquanto o país marcava passo ao sabor do conservadorismo
hesitante da monarquia, o Exército se modernizava com a gradual
desaristocratização dos postos de comando propiciado pela impo-
sição de critérios meritocráticos para a promoção na carreira,
implementado pela reforma militar de 1850, que obrigou a profis-
sionalização dos oficiais por meio de especialização na Real
Academia Militar. A partir daí, o Exército foi se democratizando
pelo ingresso em seus quadros de indivíduos oriundos da pequena
burguesia que, de outro modo, estariam fadados à pobreza. Além
do ensino técnico, eles também adquiriam habilidades intelec-
tuais por meio de uma formação universalista, de viés positivista,
que os habilitavam também a expressar o descontentamento
difuso da plebe sem representação, além do sentimento naciona-
lista emergente na sociedade.
Desde a Guerra do Paraguai (1864-1870), os militares viram-
se de algum modo envolvidos em movimentos nacionais de grande
significado, sob a influência do apostolado de Benjamin Constant,
quer pelo fim da escravidão, por eleições livres (voto secreto), pela
independência do Poder Judiciário, ou mesmo por um Estado
forte para a superação do atraso nacional, entre outras. Após a
forte repressão que se seguiu às greves operárias de 1917, com a
expulsão de estrangeiros anarcossindicalistas (1921) e o prolon-
gado estado de sítio (1922-26) – com a proibição do recém-criado
partido operário (Partido Comunista Brasileiro) –, as lutas demo-
cráticas passaram à caserna por meio de grupos militares que
promoveriam diversos movimentos armados entre 1922 e 1927,
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Hamilton Garcia