A questão militar
Hamilton Garcia
O
comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas,
afirmou em rede social, às vésperas do julgamento do
habeas corpus do ex-presidente Lula no Supremo Tribunal
Federal, “que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de
todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à
Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém
atento às suas missões institucionais”. O recado foi interpretado,
quer como pressão indevida dos militares sobre o Poder Judiciá-
rio, quer como preocupação comungada pela maioria da nação.
No STF, coube ao decano, ministro Celso de Mello, verbalizar
a primeira opinião: “O respeito indeclinável à Constituição e às
leis da República representa o limite intransponível a que se
devem submeter os agentes do Estado, quaisquer que sejam os
estamentos a que eles pertençam”. Já o ministro Luís Roberto
Barroso vocalizou a segunda opinião: “O que você pode sentir é
que os militares – como todo mundo no Brasil – estão preocupa-
dos e querem mudar as coisas para melhor. Como eu também”.
À luz da nossa história, de frequentes intervenções militares
na política, todavia, é certo que a simples evocação do “respeito
indeclinável à Constituição e às leis” não serve como bom contra-
ponto, visto que essa tradição se forjou exatamente com base
nesse princípio, evocado como antídoto à tendência histórica dos
“agentes do Estado”, em particular dos civis, ao respeito decliná-
vel “à Constituição e às leis” – de acordo “apenas com interesses
pessoais”, como assinalou o Comandante do Exército.
O fato é que o recado do general embutiu um alerta ao Judi-
ciário, em meio à evidente erosão da autoridade do Executivo e do
Legislativo, de que ele se tornou a penúltima fortaleza da defesa
do Estado democrático de direito – a última são as Forças Arma-
das (FFAA) em nossa tradição republicana. Ao mesmo tempo,
Villas Bôas mandou um recado à tropa: a prerrogativa do
resguardo da lei e da ordem cabe exclusivamente aos poderes de
Estado, não aos indivíduos em geral.
73