seja, requerem ser concretizadas, mas somente à luz da argumenta-
ção previamente mantida nos espaços democráticos da deliberação,
entre todos os integrantes de uma sociedade determinada, e deman-
dam decisões que podem ser, de fato, materializadas, mas não mera-
mente intuídas como possibilidades futuras. Em síntese, doutrinas
que, de fato, podem se tornar realidade, após serem socialmente
objeto de deliberação, encontram mais chances de serem razoáveis.
São dois princípios que introduzem premissas de maior tole-
rância social e política, de um lado, e sensatez objetiva sobre os
recursos materiais, de outro lado. Mas este é também um arca-
bouço que impõe outra premissa, esta discutida apenas de raspão
na obra do brilhante filósofo norte-americano. Ou seja, a natureza
do regime democrático que abrigaria esses comportamentos sociais.
Se mantida uma diretriz democrática, que organiza a vida política
e suas decisões apenas a partir de eleições regulares, que é a visão
mais simplória de democracia, dificilmente produzirá resultados
razoáveis substantivos. Seria preciso, portanto, preliminarmente à
evidenciação de novos comportamentos sociais cada vez mais iden-
tificados pela razoabilidade, que os indivíduos se dispusessem a
refletir profundamente e deliberar sobre o ideal democrático que
guia a comunidade política.
Democracias eleitorais, atualmente a marca principal em quase
todas as sociedades, não passam disso: trocam os(as) mandatá-
rios(as) em intervalos regulares. Nada mais. Não transformam a
estrutura social, não animam os indivíduos, não superam os
impasses principais, são frequentemente bloqueadas. Porque não
enfrentam com liberdade, sem travas e com razoabilidade argu-
mentativa, os dilemas de maior magnitude e urgência, que neces-
sariamente toda sociedade desenvolve em sua história. Por essas
razões, entre outras, é que vem aprofundando-se a crise de legiti-
midade e de representação que caracterizam, da mesma forma, a
maior parte das sociedades.
Especificamente no caso brasileiro, desde o final do regime
militar, em 1985, estivemos ocupados em afirmar, sobretudo, uma
democracia eleitoral, não um regime político que, de fato, se orga-
nize razoavelmente pela materialização gradual de um ideal demo-
crático pleno e substantivo, o principal déficit sendo, exatamente, o
menosprezo à argumentação e à deliberação, livre e informada, dos
seus cidadãos. Assim não se forma uma sociedade, mas um arranjo
social em que as maiorias apenas lutam para empurrar adiante o
seu cotidiano. Não são sujeitos plenos e, muito menos, cidadãos.
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Zander Navarro