Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 59

discutido, intitulado Liberalismo Político, publicado em 2005, em sua versão expandida. Orientado, em especial, pela visão aristo- télica de uma justiça distributiva, destinada a pensar o funciona- mento da justiça em termos de benefícios e deveres, mas não em termos de punição à transgressão em uma ordem social dada, Rawls discute extensamente o significado do que seria “razoável” na vida social. O autor lida diretamente com “doutrinas abran- gentes”, em planos sociais elevados e que afetam quase todos os comportamentos sociais e, por isso, os desvãos menores e mais particulares da estrutura social não são o seu foco principal. Ainda assim, produziu conhecimento relevante para o tema discu- tido nesse curto ensaio. Em termos extremamente simplificados, Rawls defende que sociedades, necessariamente, são plurais, sendo impossível existir qualquer sociedade que mantenha uma orientação moral e ideoló- gica única (nem mesmo nas mais cruéis ditaduras). Por isso, qual- quer arranjo societário, necessariamente, supõe e obriga a existên- cia de um consenso de superposição entre visões de mundo, doutrinas de todas as ordens, políticas, religiosas e outras e, para que possam conviver tolerantemente entre si, todas elas precisam ser razoáveis e, por extensão, os cidadãos igualmente precisam ser razoáveis, pois serão os guardiões da razoabilidade social decor- rente. Em síntese, esta faceta é indispensável para uma sociedade que se pretenda bem ordenada, com alguma estabilidade política. Em Rawls, contudo, o conceito de “razoável” também observa alguma ambiguidade, mas é noção fincada em dois pilares. Primei- ramente, todas as doutrinas (visões, modelos políticos), para ser razoáveis, podem (ou poderiam) ser modificadas, ou pelo menos redefinidas, de forma a facilitar a cooperação com outros que seguem perspectivas orientadoras diferentes. Nesse sentido, encar- nariam flexibilidade e cooperação – ou, o que é o mesmo, jamais poderiam ser doutrinas dogmaticamente petrificadas. Uma reli- gião, por exemplo, que recuse a convivência com outra, com a qual compete em seu proselitismo, jamais será razoável e, pela mesma razão, nenhuma sociedade ou Estado que aceite uma religião oficial jamais será democrática ou razoável. No caso brasileiro, como curta ilustração à luz desta interpreta- ção, é uma aberração não razoável manter crucifixos em ambientes estatais, como tribunais e outros locais públicos. Em segundo lugar, são orientações gerais que precisam ser plausíveis, factíveis, em face das incertezas que sempre afligem as deliberações humanas. Ou É possível ser “razoável” em política – ou, mais amplamente, na vida social? 57