década de 1980) cuja marca registrada foi uma abissal confusão
política e ideológica, nos estertores de um mundo então polarizado
entre dois impérios, mas também conformada por dramáticos
desajustes macroeconômicos. Anos durante os quais se esfumaça-
ram as tantas “certezas” do período anterior.
Um breve exemplo, mas sintomático, é a Sociologia, a disciplina
que deveria explicar a sociedade, até o início dos anos oitenta uma
área científica marcada por disputas teóricas entre três grandes
narrativas paradigmáticas (o marxismo, o estrutural-funciona-
lismo e as teorias de ação social centradas em Weber). Naquela
década, contudo, desapareceu essa disputa e, aos poucos, a Socio-
logia deixou até mesmo de ter uma “problemática teórica” propria-
mente dita, sendo atualmente um campo científico minado pela
especulação, ainda que enraizado em noções conceituais de algum
rigor. E esta é a “ciência da sociedade”!
O resultado prático mais evidente dessas sísmicas transforma-
ções foram, de um lado, visões de mundo cada vez mais fragmen-
tadas, pois decorrentes e o fruto de preferências parti cularistas,
novas e inúmeras, ancoradas em múltiplas, quase infinitas, identi-
dades sociais constituídas no período e impulsionadas por especi-
ficidades empíricas, muitas vezes minúsculas. Desta forma, qual-
quer coletivo de indivíduos, ainda que numericamente insignificante,
mas compartilhando alguma “marca própria” (sua identidade),
pode se arvorar como único e exige reconhecimento, direitos exclu-
sivos e favorecimentos específicos. No novo mundo do multicultu-
ralismo, não existindo mais nenhuma racionalidade objetiva sobre
a lógica das proporções, essas seriam demandas imediatamente
reconhecidas como legítimas.
Nasce assim o mundo da “multiplicação identitária”. De outro
lado, visões assentadas de sociedade, de gestão macroeconômica,
de valores ou de uma ética social, ingredientes antes majoritários,
mas que foram lentamente erodidos pelo ataque persistente à pers-
pectiva então coletivamente compartilhada sobre um ente geral
epifenomênico – o Estado.
Os impactos nos comportamentos sociais e suas manifestações
concretas atuais foram assim inevitáveis, pois a coesão antes exis-
tente estilhaçou-se, com o passar dos anos, ante o poder destrutivo
desses dois aríetes principais: sem a força aglutinadora de um
padrão cultural geral e, também, sofrendo os efeitos da ação gover-
namental cada vez mais enfraquecida, como esperar que uma cole-
tividade societária pudesse manter-se unida e estruturada?
54
Zander Navarro