Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 54

É possível ser “razoável” em política – ou, mais amplamente, na vida social? Zander Navarro P arece existir uma difundida percepção, especialmente aden- sada entre os observadores e estudiosos das sociedades em geral (e a brasileira, em particular), acerca dos comporta- mentos sociais hoje dominantes, os quais vêm se tornando áspe- ros, rígidos e intolerantes, refratários ao diálogo social mais amplo, e até incompreensivelmente atraídos por ideias que pareciam, há muito, sepultadas. São comportamentos que se aferram a uma lógica explicativa muito superficial, movendo-se pelas aparências e um inesperado paroquialismo e autocentralidade identitária, aparentando reflexão rasa e emocional. Ou, então, são comporta- mentos sociais orientados por evidentes equívocos, ou mesmo falsi- dades, alguns de natureza religiosa ou mágica, enquanto outros derivam de modismos que acabam encontrando algum enraiza- mento e prosperam, seduzindo seguidores ingênuos. Sob tais contextos, a tolerância social vai se esvaindo e um dos fundamentos centrais de qualquer ordem democrática, aquele ancorado no pluralismo e na serena recepção à diversidade de opiniões, argumentos, teorias, religiões e visões de mundo, parece igualmente ser uma atitude coletiva que estaria sendo ferida de morte. São comportamentos que riscam do seu dicionário palavras como adversários e oponentes, pois todos passam a ser primordial- mente inimigos. Como pano de fundo desta visível mutação nas formas de socia- bilidade e sendo a sua causa principal está a grande mudança cultural e econômica (com profundas implicações políticas) que foi acelerada a partir da década de 1980. O que significa que já temos uma geração que se formou como cidadãos adultos a partir desses novos imperativos orientadores da ação social. Mais corretamente, trata-se da instituição de uma nova moralidade. Foi quando o pensamento social, especialmente o europeu ocidental em seus primórdios, mas depois se espraiando, introduziu o multicultura- lismo, uma transformação complexa de ser analisada, pois mate- rializada em variadas concretudes, conforme as circunstâncias e as especificidades de cada caso determinado. 52