Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 26

opiniões razoáveis sobre o improviso que, de fato, cercou a decisão do governo (opiniões que não a contestavam mas alertavam para a necessidade de sanar o improviso e, na medida do possível, não incorrer em novos), discursos utópicos e niilistas vinham se reve- zando e se confundindo em críticas de vários agentes sociais. Vale dizer que eram discursos veiculados na contramão do sentimento de esperança que a medida provocou na população em geral, espe- cialmente naquela objetivamente sitiada pelo conluio entre o tráfico e a corrupção policial/miliciana, nos bairros pobres do Rio. Mas não se pode subestimar a capacidade de formadores de opinião converterem esta esperança em desconfiança e daí em rejeição. Vivia-se este quadro incerto quando, de modo cirúrgico, profis- sional, a reação apertou o gatilho. Depois do assassinato, talvez por força do hábito, ou da mentalidade de ativistas que encaram a resistência como forma superior de ação, reiterações de condu- tas anteriores estreitam o espaço para que movimentos sociais, ONGs, imprensa e organizações em geral da sociedade civil pactuem uma nova atitude para uma nova situação. O alarga- mento deste espaço é ainda mais crucial quando se sabe que a unidade possível da sociedade em favor dos direitos humanos não alcança unanimidade, ou algo próximo dela. Embora todos falem em justiça, não poucos a entendem como justiçamento. O apelo à violência, a opção pelo crime e a negação ou relativização de valo- res como liberdade, igualdade e fraternidade, enquanto valores humanos universais, não são práticas asiladas de alguma base social, embora – e isto é preciso enfatizar – não sejamos uma sociedade anômica, destituída de valores morais de solidariedade. Os apocalípticos de plantão deveriam retirar das praças lotadas em repúdio ao crime não a conclusão insólita de que as pessoas ali buscam se associar para derrubar uma ordem promotora de violência. O protesto é contra a desordem e a tristeza que a violên- cia criminosa espalha e por isso a rua torna-se palco de urbani- dade, de solidariedade indignada em favor de algo. Mas isto não nos dá direito a viajar na maionese do idílio: quando a questão é a defesa de direitos humanos, a parte imensa da sociedade que se mantém sitiada pelo medo é, na melhor das hipóteses, arena de disputa intelectual e moral. Disputa que se torna imediatamente política quando também está em jogo o futuro da democracia, seu avanço ou sua restrição, como no caso do atentado em tela. Má notícia para o reformismo democrático é que, num cenário crítico composto de aspectos políticos, econômicos e morais que 24 Paulo Fábio Dantas Neto