Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 25

supor que a brutalidade do fato possa mover atores políticos e sociais para fora do próprio umbigo e de suas zonas de conforto, de modo a fortalecer a intervenção federal que o crime possivel- mente tentou desestabilizar e concretamente ameaça, tenha havido ou não esta intenção prévia. Aqui não se trata de supor – até porque seria quimérico – apoio unânime e explícito a todos os atos da intervenção. Aclamações iludiriam mais do que ajuda- riam. Trata-se de esperar consenso mínimo entre democratas em torno das necessidades de mantê-la e de não trabalhar contra seu êxito, neste momento crítico. Afasto-me do niilismo que previamente nega validade à expec- tativa de que os atores envolvidos, em presença do perigo, levem em consideração o interesse público, sem prejuízo de manterem ressal- vas que parte deles já fazia à intervenção, antes de acontecer o atentado. A capitulação da razão diante do puro cálculo não é uma fatalidade. Atores políticos tanto podem realmente ser tragados por um vale tudo cego e desregrado, como podem ser capazes, sim, de detectar o efeito bumerangue que contra si provocam a erosão de valores democráticos e danos à convivência social, embutidos na leniência para com um tipo de terrorismo que se insinua nas tênues linhas divisórias entre Estado e sociedade. A moderação da luta político-partidária, neste momento, em proveito do combate ao crime, não seria atitude altruísta e sim uma conduta virtuosa guiada, também, por um interesse bem compreendido. É fato que esta segunda implicação da lógica e da ética pública – o interesse bem compreendido – não se impôs até aqui. Após a comoção aguda das primeiras horas, o que se vê não é uma cris- talina conversão das emoções em força democrática unitária. Há sinais nessa direção, mas também os há na direção oposta. Ao impacto emocional também tem sucedido uma racionalidade instrumental que anima alguns atores relevantes a tentarem tirar proveito político da situação. Este aspecto não tem passado despercebido nas análises, mas as censuras a esta conduta surgem, via de regra, com um viés de reiteração da crítica difusa ao oportunismo dos “políticos”. A realidade manda que se estenda a crítica também ao ambiente externo à sociedade política, pois esta não monopoliza o oportunismo. O crime que vitimou Marielle Franco sugere, a diversas áreas formadoras de opinião, reforçar o ceticismo e as suspeitas que já anteriormente estas mesmas áreas lançavam sobre intenções, procedimentos e as chances de êxito da intervenção. Além de Segurança pública e política: sem Marielle, mas com franqueza 23