direção uma disposição realista pode, de fato, resvalar. Da arti-
lharia do primeiro gênero fazem parte fórmulas subjetivas como
“um outro mundo é possível”; “é preciso passar o país a limpo” ou
“reinventar” a política. Do segundo gênero são várias modalida-
des de redução supostamente objetiva da política à arte de elimi-
nar inimigos reais ou imaginários e distopias como a que, no
momento, quer desqualificar a busca de reforço do centro demo-
crático como sonho utópico de quem não entende a política “como
ela é” e – por este prisma distópico – sempre será.
Trazer a materialidade do mundo para a política democrática é,
então, um modo de defender a democracia representativa da male-
dicência segundo a qual ela não passa de fórmula ideológica enga-
nosa, alheia aos problemas das pessoas comuns, que a poderiam
justificar como regime político. Ao mesmo tempo é uma afirmação
da eficácia transformadora desta democracia, no sentido de ser ela
aceita e valorizada como o que de fato ela é (e não como um “dever
ser” idealizado para ser um contraponto e deslegitimá-la), sem que
isso a impeça de poder tornar-se algo melhor. Ou não.
Para traduzir em português mais simples o que é (e o que pode
ser) esta materialização da política democrática não existe exem-
plo mais didático do que a situação que envolve a intervenção do
governo federal na área da segurança pública no Rio de Janeiro,
à qual se acoplou, como elemento virtualmente desestabilizador,
o assassinato premeditado da vereadora e ativista Marielle Franco.
Penso – e nisto não me vejo sozinho – que se existe relação de
causa e efeito entre a intervenção e o crime cometido não é a que
faria deles termos complementares de uma equação, faces de uma
mesma moeda, como quer fazer crer uma versão desejosa e um
tanto sórdida que inunda redes sociais e abunda na imprensa. Se
há (e isto não está, por ora, comprovado, embora possa, racional-
mente, ser visto como provável), esta relação é uma reação provo-
cativa e desafiadora do segundo à primeira.
É lógico, além de ético, esperar que consciências adversárias
do crime busquem respostas unitárias àquele ato de violência
social, intolerância política e barbárie cultural. Por isto é, antes
de m ais nada, compreensível, saudável e não preocupante que
ocorram amplas manifestações públicas de repúdio. De fato, elas
têm acontecido como um sinal de que a sociedade não aceitará,
tão passivamente quanto alguns imaginam, o avanço do terro-
rismo. Em segundo lugar e pelas mesmas razões, também é lícito
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Paulo Fábio Dantas Neto