Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 24

direção uma disposição realista pode, de fato, resvalar. Da arti- lharia do primeiro gênero fazem parte fórmulas subjetivas como “um outro mundo é possível”; “é preciso passar o país a limpo” ou “reinventar” a política. Do segundo gênero são várias modalida- des de redução supostamente objetiva da política à arte de elimi- nar inimigos reais ou imaginários e distopias como a que, no momento, quer desqualificar a busca de reforço do centro demo- crático como sonho utópico de quem não entende a política “como ela é” e – por este prisma distópico – sempre será. Trazer a materialidade do mundo para a política democrática é, então, um modo de defender a democracia representativa da male- dicência segundo a qual ela não passa de fórmula ideológica enga- nosa, alheia aos problemas das pessoas comuns, que a poderiam justificar como regime político. Ao mesmo tempo é uma afirmação da eficácia transformadora desta democracia, no sentido de ser ela aceita e valorizada como o que de fato ela é (e não como um “dever ser” idealizado para ser um contraponto e deslegitimá-la), sem que isso a impeça de poder tornar-se algo melhor. Ou não. Para traduzir em português mais simples o que é (e o que pode ser) esta materialização da política democrática não existe exem- plo mais didático do que a situação que envolve a intervenção do governo federal na área da segurança pública no Rio de Janeiro, à qual se acoplou, como elemento virtualmente desestabilizador, o assassinato premeditado da vereadora e ativista Marielle Franco. Penso – e nisto não me vejo sozinho – que se existe relação de causa e efeito entre a intervenção e o crime cometido não é a que faria deles termos complementares de uma equação, faces de uma mesma moeda, como quer fazer crer uma versão desejosa e um tanto sórdida que inunda redes sociais e abunda na imprensa. Se há (e isto não está, por ora, comprovado, embora possa, racional- mente, ser visto como provável), esta relação é uma reação provo- cativa e desafiadora do segundo à primeira. É lógico, além de ético, esperar que consciências adversárias do crime busquem respostas unitárias àquele ato de violência social, intolerância política e barbárie cultural. Por isto é, antes de m ais nada, compreensível, saudável e não preocupante que ocorram amplas manifestações públicas de repúdio. De fato, elas têm acontecido como um sinal de que a sociedade não aceitará, tão passivamente quanto alguns imaginam, o avanço do terro- rismo. Em segundo lugar e pelas mesmas razões, também é lícito 22 Paulo Fábio Dantas Neto