Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 23

Segurança pública e política: sem Marielle, mas com franqueza Paulo Fábio Dantas Neto E m seminário recente, organizado pela Fundação Astro- jildo Pereira, a professora Maria Alice Rezende de Carva- lho, da PUC/Rio, levou à reflexão dos presentes a seguinte consideração: “é preciso trazer a materialidade do mundo para a política democrática”. Esta, por assim dizer, recomendação ecoa, num momento de crise como o que se vive, como alerta importante contra armadilhas argumentativas reacionárias, às vezes dissimuladas por retóricas pretensamente radicais de gente inquieta com a lentidão intrínseca a todo progresso movido pelo reformismo democrático. Estas manifestações reativas são potencialmente destrutivas de esforços de pensamento e ação que promovem reformas sociais, econômicas e culturais dentro dos marcos democráticos da repre- sentação e da participação políticas. Detonam discursivamente as pontes entre estas duas práticas que a dura experiência de construção das democracias concretizou no mundo moderno. Assim, afirmam como fatal o abismo entre elas, um abismo subje- tivo entre o desejável e o possível. A descrição apocalíptica, distó- pica, do mundo real é ferramenta argumentativa que hiperboliza as impurezas deste mundo para prescrever a sua remoção como ato inaugural de alguma utopia. O campo democrático experimenta, atualmente, no Brasil e fora dele, um sentimento de mal-estar. Vê-se questionado sobre o seu próprio sentido enquanto campo político que abriga certa visão de mundo, ao mesmo tempo universalista e plural, como se ela já não mais coubesse no mundo “real”. Reza este credo antide- mocrático que, no mundo novo, identidades sociais e individuais afirmam-se na contramão da representação política, cuja não legitimidade cabe ao ativismo e/ou ao egoísmo provar. Procuro detalhar mais, agora, o que busquei resumir anterior- mente: o bombardeio vem, de um lado, da imaterialidade atávica de antigos projetos utópicos de eliminação da política e, de outro lado, do páthos niilista, no sentido negativo deste termo, com o qual todo realismo corre o risco de ser confundido e para cuja 21