Segurança pública e política: sem
Marielle, mas com franqueza
Paulo Fábio Dantas Neto
E
m seminário recente, organizado pela Fundação Astro-
jildo Pereira, a professora Maria Alice Rezende de Carva-
lho, da PUC/Rio, levou à reflexão dos presentes a seguinte
consideração: “é preciso trazer a materialidade do mundo para
a política democrática”. Esta, por assim dizer, recomendação
ecoa, num momento de crise como o que se vive, como alerta
importante contra armadilhas argumentativas reacionárias, às
vezes dissimuladas por retóricas pretensamente radicais de gente
inquieta com a lentidão intrínseca a todo progresso movido pelo
reformismo democrático.
Estas manifestações reativas são potencialmente destrutivas
de esforços de pensamento e ação que promovem reformas sociais,
econômicas e culturais dentro dos marcos democráticos da repre-
sentação e da participação políticas. Detonam discursivamente
as pontes entre estas duas práticas que a dura experiência de
construção das democracias concretizou no mundo moderno.
Assim, afirmam como fatal o abismo entre elas, um abismo subje-
tivo entre o desejável e o possível. A descrição apocalíptica, distó-
pica, do mundo real é ferramenta argumentativa que hiperboliza
as impurezas deste mundo para prescrever a sua remoção como
ato inaugural de alguma utopia.
O campo democrático experimenta, atualmente, no Brasil e
fora dele, um sentimento de mal-estar. Vê-se questionado sobre o
seu próprio sentido enquanto campo político que abriga certa
visão de mundo, ao mesmo tempo universalista e plural, como se
ela já não mais coubesse no mundo “real”. Reza este credo antide-
mocrático que, no mundo novo, identidades sociais e individuais
afirmam-se na contramão da representação política, cuja não
legitimidade cabe ao ativismo e/ou ao egoísmo provar.
Procuro detalhar mais, agora, o que busquei resumir anterior-
mente: o bombardeio vem, de um lado, da imaterialidade atávica
de antigos projetos utópicos de eliminação da política e, de outro
lado, do páthos niilista, no sentido negativo deste termo, com o
qual todo realismo corre o risco de ser confundido e para cuja
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