Havia a malandragem, os valentes, mas o povo da favela tinha liber-
dade de ir e vir, e eventualmente se organizar autonomamente.
Com o golpe de 1964, a esquerda se apoia nas raízes culturais
mais profundas de nosso povo, vai buscá-las nos morros do Rio,
para ampliar a resistência à ditadura. E, perseguida pela polícia,
tais como os bandidos do morro, uma parte desta esquerda faz
uma aliança informal com eles.
É aí que jovens, treinados na guerrilha urbana para lutar
contra a ditadura, encarcerados juntamente com alguns margi-
nais, lhes transmitem ensinamentos de ação, como assalto a
bancos, princípios de organização e algumas ideias políticas. Sem
saber, estavam plantando os germens daquilo que viria a ser o
Comando Vermelho.
Mesmo depois do fim da ditadura, uma parte da esquerda
continuou com aquela aliança informal. Leonel Brizola, duas
vezes governador do Rio de Janeiro, dizia que sua polícia não
subia o morro. Possivelmente ele visava evitar as agressões que a
população pobre das favelas sofria por parte da polícia, amplia-
das no período ditatorial. Mas aí, nas favelas, já começava a
desenvolver-se o crime organizado, nutrindo-se do comércio de
drogas, facilitado pela proximidade do mercado de consumo, loca-
lizado principalmente no lado rico da cidade.
O crescimento em flecha do crime organizado, das facções e
das milícias no país, assim como a corrupção de uma parte da
Polícia Militar, a chamada “banda podre”, em particular no Rio de
Janeiro, é um desafio à nossa Constituição que, em seu art. 5º,
garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país “[...]
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade [...]” e diz, no item XVII do mesmo
artigo, que é “[...] vedada a (associação) de caráter paramilitar”.
Passados mais de 30 anos das lutas que culminaram na Cons-
tituição de 1988, no fundo se trata da mal resolvida questão
democrática. Não se consolidaram e menos ainda avançaram as
inegáveis conquistas democráticas daquele pacto constitucional.
De um lado, reproduz-se o contexto histórico de autoritarismo,
compadrio, patrimonialismo, clientelismo, coronelismo e corrup-
ção, patrocinado pelas forças do atraso, mantendo um povo
atemorizado, manipulado, carente de informação e educação,
alienado, preso a crenças e valores de séculos passados. No caso
Marielle e a crise da democracia
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