Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 20

Marielle e a crise da democracia Alfredo Maciel da Silveira Sergio Augusto de Moraes P or tudo de libertador, humanamente elevado e heroico que Marielle encarna e simboliza, sua execução bárbara e a de seu motorista Anderson é uma das piores afrontas à nossa democracia. Concentra num momento breve, e assim realça, o quotidiano surdo da brutalidade, da lei do mais forte, que a todo tempo submete amplas camadas do povo brasileiro em sua secu- lar história de opressão. Por que justamente no Rio de Janeiro aconteceu este brutal assassinato? A causa imediata reside na intervenção federal no Estado. É um recado sangrento para que se suspenda a intervenção, porque ela já começou a tirar o poder da banda podre da polícia. Por isto cumpre fazer o possível para que ela cumpra, pelo menos parcialmente, as tarefas que lhe foram entregues. Não por outros motivos, ela se deu com o apoio de cerca de 70% da população. Mas existem causas mais profundas que cumpre assinalar para, se assimiladas pela cidadania, reduzir a possibilidade de que aconteçam outras Marielles. A espetacular topografia do Rio, com uma estreita faixa de terra plana imprensada entre a monta- nha e o mar, aliada à histórica exclusão social, colocou como vizi- nhos os setores mais ricos e os mais pobres da cidade. Os mais ricos vivendo na estreita planície e os pobres nos morros da cidade, numa ocupação urbana absolutamente desordenada. No início, esta vizinhança favorecia a ambos. Entregava aos mais ricos e à classe média da Zona Sul da cidade mão de obra barata para uma série de serviços. E aos moradores da favela as facilidades de terra para moradia praticamente gratuita e de loco- moção, permitindo a sobrevivência com os baixos salários ganhos ali perto, “no asfalto”. Haviam os marginais. Noel Rosa, Cartola, Zé Keti e outros compositores que cantaram os problemas dos mais pobres aponta- ram alguns dos mais famosos. Zé Keti, num samba memorável dizia “[...] morreu Malvadeza Durão, valente mas muito considerado”. 18