tendências que me pareciam incorretas e eles respeitavam minha
posição. Isso sempre aconteceu. De vez em quando, não aceitava
a decisão já tomada, e o fato de eu não aceitar era suficiente para
que revissem o assunto. Mas, em geral, nunca exerci liderança
política; quando muito, tive liderança oratória, era o porta-voz da
UDN, um partido importante. Mas sempre defendi um princípio
que observo até hoje, aos 80 anos de vida: sou muito capaz de
fazer coisas de que me arrependa, mas nunca de que me envergo-
nhe. Esta é a diferença, e muito clara”.
Tempos depois, visito-o no gabinete de senador da República,
em Brasília, e lembro-lhe o discurso que proferira na Câmara,
como líder da oposição a Getúlio, em 13 de agosto de 1954; no dia
24, o presidente se matava com um tiro no peito, tragédia para a
qual contribuíra, acusavam alguns, a violenta manifestação do
deputado Afonso Arinos. E ele, em surpreendente confissão: “Pois
é, sempre me angustiou a ideia de que eu possa ter concorrido,
embora involuntariamente, para a morte de Vargas. Hoje, não faria
aquele discurso, em que talvez tenha pecado por excesso, diante da
turbulência política que então nos assustava. Acontece que só o
distanciamento histórico permite essa avaliação; no calor da hora,
fazemos o que nos obrigam as circunstâncias, e eu era o líder da
minoria, a quem coube falar em nome dos colegas, não só em 13 de
agosto, mas também onze dias depois, quando voltei à tribuna
agora para lamentar, respeitosamente, o suicídio que traumatizara
o Brasil. Pudesse voltar no tempo, preferiria não pronunciar aquele
primeiro discurso, mas assim não haveria a história como teste-
munho do que, bem ou mal, ocorreu no passado, pois seria conti-
nuamente reformada, refeita pelos personagens que sobreviveram
ao tempo, e assim não apenas envelheceram, se tornaram mais
sábios, mais experientes, mais precavidos, mas também mais inse-
guros, mais hesitantes, mais medrosos...”
Amigo do poeta e prosador fluminense Xavier Placer (1916-
2008), Afonso Arinos escreveu-lhe duas cartas até este momento
inéditas, presentes generosos que recebi do destinatário ao saber
da minha admiração pelo autor do Roteiro lírico de Ouro Preto.
A primeira manuscrita, sem data (com o carimbo dos Correios, no
envelope, de 30 de abril de 1984):
Afonso Arinos e o fantasma de Getúlio
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