Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 176

O mais belo filme de Nelson Pereira dos Santos Ivan Alves Filho D iferentemente da literatura, onde o tempo se constrói com palavras, o tempo cinematográfico se apoia nas imagens. O cinema nada mais é do que uma sucessão de imagens. Contudo, tais imagens contam quase sempre uma história. Isto talvez explique as relações existentes entre a literatura e a sétima arte, reforçada pelo surgimento do cinema sonoro, que tem na palavra um dos seus pontos de sustentação (sendo os outros a música e os ruídos). É provável que a adaptação para o cinema de alguns romances populares visasse, sobretudo, a explorar uma trilha já conhecida do grande público. Não há nada de negativo nisto, desde que a obra original tenha sua qualidade estética preservada. Autores como Shakespeare, Victor Hugo, Alexandre Dumas e Dostoiévski foram esplendidamente adaptados para as telas. A mesma tendência se verificou no Brasil e escritores consagrados como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Guimarães Rosa foram fartamente explorados por alguns dos nossos melhores cineastas. De todos eles, aquele que melhor se saiu nesse trabalho foi, sem dúvida, Nelson Pereira dos Santos, a ponto de ser o primeiro cineasta a integrar a Academia Brasileira de Letras, justamente por seu talento em adaptar alguns dos nosso clássicos, como Vidas Secas e Tenda dos Milagres, obras-primas, respectiva- mente, do alagoano Graciliano Ramos e do baiano Jorge Amado. Nascido em São Paulo, em 1928, Nelson se radicou, desde jovem, no Rio de Janeiro, então capital do país, onde se destacaria como o fundador de um dos maiores movimentos culturais do nosso tempo, o Cinema Novo. Antenado com o que havia de mais avançado na cinematografia mundial (em particular o Neorrea- lismo italiano e a Nouvelle Vague francesa), ele colocou o Brasil para dialogar, em pé de igualdade, com as grandes vanguardas internacionais. Pode-se dizer que a irrupção das massas no século XX se deu não apenas no plano da política mas também no terreno das artes, em particular o cinema, dinâmico por natureza. Como a própria vida urbana, aliás. 174