O mais belo filme
de Nelson Pereira dos Santos
Ivan Alves Filho
D
iferentemente da literatura, onde o tempo se constrói com
palavras, o tempo cinematográfico se apoia nas imagens.
O cinema nada mais é do que uma sucessão de imagens.
Contudo, tais imagens contam quase sempre uma história. Isto
talvez explique as relações existentes entre a literatura e a sétima
arte, reforçada pelo surgimento do cinema sonoro, que tem na
palavra um dos seus pontos de sustentação (sendo os outros a
música e os ruídos).
É provável que a adaptação para o cinema de alguns romances
populares visasse, sobretudo, a explorar uma trilha já conhecida
do grande público. Não há nada de negativo nisto, desde que a obra
original tenha sua qualidade estética preservada. Autores como
Shakespeare, Victor Hugo, Alexandre Dumas e Dostoiévski foram
esplendidamente adaptados para as telas. A mesma tendência se
verificou no Brasil e escritores consagrados como Machado de
Assis, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Guimarães Rosa foram
fartamente explorados por alguns dos nossos melhores cineastas.
De todos eles, aquele que melhor se saiu nesse trabalho foi,
sem dúvida, Nelson Pereira dos Santos, a ponto de ser o primeiro
cineasta a integrar a Academia Brasileira de Letras, justamente
por seu talento em adaptar alguns dos nosso clássicos, como
Vidas Secas e Tenda dos Milagres, obras-primas, respectiva-
mente, do alagoano Graciliano Ramos e do baiano Jorge Amado.
Nascido em São Paulo, em 1928, Nelson se radicou, desde
jovem, no Rio de Janeiro, então capital do país, onde se destacaria
como o fundador de um dos maiores movimentos culturais do
nosso tempo, o Cinema Novo. Antenado com o que havia de mais
avançado na cinematografia mundial (em particular o Neorrea-
lismo italiano e a Nouvelle Vague francesa), ele colocou o Brasil
para dialogar, em pé de igualdade, com as grandes vanguardas
internacionais. Pode-se dizer que a irrupção das massas no século
XX se deu não apenas no plano da política mas também no terreno
das artes, em particular o cinema, dinâmico por natureza. Como
a própria vida urbana, aliás.
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