Adorno achou que a condição de mercadoria degradava a obra
de arte. Para o artista e o intelectual, no entanto, conseguir que
suas obras sejam adquiridas significa que alguém decidiu trocar
um tempo do seu trabalho pelo tempo deles. Isto envolve uma
valorização do produto e não apenas a sua degradação. O pior
para quem produz é não conseguir vender. Dizer que a arte tem
função no capitalismo por não ser útil é não perceber quão útil é
a estetização para a dominação social. Basta ver os santinhos que
se vendem nas épocas de eleição e os capetas que estão por baixo.
Com a industrialização capitalista, o direito de comprar e
vender no mercado e a semelhança nas condições de trabalho,
bem como a crença cristã numa comunidade fundamental, impu-
seram a igualdade como paradigma. Ela não é, contudo, um valor
apenas necessário à mecânica do mercado. Foi herdada pela revo-
lução socialista, mas já é um tema central na Grécia antiga. Este
princípio vem sendo lido como igualação do desigual, mas pode
ser interpretado também como respeito à desigualdade do desi-
gual. Igual nos humanos é serem desiguais e finitos (com a
pretensão de serem infinitos). Crê-se que todos devam ter iguais
oportunidades. Mesmo que essa crença seja praticada, quem é
desigual não aproveita igualmente oportunidades iguais. E quem
mais aproveita pode se tornar um malandro melhor treinado.
Se a estrutura social continua sendo de uma minoria que vive
bem às custas do trabalho da maioria, pode-se entender que não se
tenha desenvolvido uma sensibilidade para a desigualdade. Os filó-
sofos tendem a estar mancomunados com a exploração de classe e
não se preocupam com isso. A inovação filosófica moderna deu-se,
porém, quando a noblesse de robe, ou seja, a burguesia esclare-
cida, pôs-se a pensar. Heidegger, por exemplo, discute vários aspec-
tos do mito da caverna, mas não considera o problema social subja-
cente. Não é problema para ele. E ele era mais inteligente.
Mérito
No Hipias Maior, como em outros textos, Platão afirma, cate-
górico, que a arte se volta apenas para os sentidos da visão e da
audição. Essa proposição foi repetida por filósofos como Solger e
Hegel, mantendo-se inquestionada até hoje nas universidades.
A divisão de obras feitas pelo homem entre arte e artesanato é
proposta como uma divisão sensorial: haveria dois sentidos
superiores, espirituais, e três inferiores, corporais. Ora, aqueles
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Flávio R. Kothe