Mentiras na verdade da República
Flávio R. Kothe
Na terra como no céu
Assim na terra como no céu: perdidos estaremos enquanto
não nos recuperarmos da alienação metafísica. Estamos num
país em que a oligarquia nos três poderes tem aparecido cada vez
mais como corrupta e mentirosa. Isso não acontece por acaso,
tem raízes metafísicas, não somos melhores que outros nisso. Se
estas não forem expostas, não serão superadas; explicitá-las não
garante cura, pois é mais cômodo ficar preso a elas. Calar é
conformar-se; falar, suicidar-se. Como se fizer, vai se fazer errado.
A duplicação metafísica do mundo, consagrada pelo cristia-
nismo, pelo romantismo e por movimentos totalitários, é pregada
em Platão, especialmente nas falas de Sócrates que, sob a aparên-
cia de filósofo e antissofista, é um declarado missionário de Athon.
A lógica do “mito da caverna” é impositiva: quem visitou uma
caverna sabe que existe o mundo fora da caverna, portanto exis-
tem o céu e seus deuses. Sócrates pretende ser superior aos “sofis-
tas”, que são professores pagos e, só por isso, aparecem como
grandes mentirosos. Alguém ser pago ou não por uma aula não
faz a diferença entre ela ser ou não verdadeira. Platão não foi
platônico, mas propiciou o platonismo. Carrega culpa.
Aristófanes apresentou, em As nuvens, Sócrates como o maior
sofista. Isso é mais do que uma piada, é uma tragédia amarga, em
que estamos mergulhados ainda. Se “o filósofo” não vive do ensino,
de que vive ele? Do trabalho escravo. Como Platão e Aristóteles. Um
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