projeto, a “moderação e a generosidade que tanto nos caracteriza
[os brasileiros]” (AAC II, p. 77-78). É por isso que propõe a natura-
lização daqueles que acatassem verdadeiramente a causa do
Brasil: tratava-se de um grande favor “consenti-los em nosso
território para arrotearem a terra e exercerem alguma indústria
útil” (AAC II, p. 78). Percebe-se aí uma tentativa clara de diferen-
ciação entre o nós e o eles, mesmo reconhecendo a necessidade
de, por exemplo, contar com a experiência portuguesa para o
desenvolvimento da indústria no país (com todas as limitações
que o termo “indústria” possuía nesse momento).
Já o padre Martiniano de Alencar, representante do Ceará,
defenderá que a 1ª parte do artigo, que versava sobre as provas de
adesão à causa do Brasil, era “perigosa e antipolítica”, e a 2ª, que
previa a expulsão de estrangeiros sem tais provas, era “injusta e
cruel”. Ele relembra “o que éramos nós [o Brasil] inda no princípio
do ano passado”, ou seja, parte integrante do que se chamava
“nação portuguesa: todos éramos membros dessa família, todos
gozávamos dos direitos de cidadão português” (AAC II, p. 79). Com
os “decretos recolonizadores” das Cortes de Lisboa, o Brasil teria se
levantado contra Portugal e rompido os laços com sua metrópole,
contando, para isso, com o apoio de muitos portugueses.
As dificuldades em definir o brasileiro e o português surgem
em razão da experiência histórica singular do Brasil, única colô-
nia que se tornara sede de uma monarquia europeia, de forma
que se estreitaram os laços nacionais entre os portugueses “do
lado de cá” e “do lado de lá” do Atlântico. Assim, não haveria
propriamente um grupo como o dos crioulos, que se sentiriam
renegados pela metrópole em detrimento de um grupo superior,
“puramente espanhol”. Pelo contrário, a identificação com a
metrópole foi tamanha que a Independência se fez sob a espada de
um português. Segundo Cecília Oliveira, no início do séc. XIX,
“independência não se confundia com a emancipação e autono-
mia administrativa”. A transferência da sede da monarquia para
o Brasil e a elevação deste à condição de Reino Unido eram consi-
deradas, “por diferentes interlocutores do jogo político na América,
entre 1821 e 1822, o reconhecimento, de fato e de direito, da auto-
nomia das diversas partes do território”, entendendo-se que o
Brasil “não só era autônomo como ocupava estatuto igual ao de
Portugal”. É por isso que era viável a possibilidade “de que a Inde-
pendência pudesse ser alcançada sem que os vínculos com Portu-
gal fossem rompidos” (OLIVEIRA, 2009, p. 20) – pelo menos até as
Quem vai ser brasileiro?
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