Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 138

Quem vai ser brasileiro? Alguns apontamentos sobre a construção do Brasil nação pelas elites políticas da independência O Cecília Siqueira Cordeiro nacionalismo é um fenômeno com “enorme persistência histórica” (NASCIMENTO, 2003, p. 33). Comumente rela- cionado ao surgimento dos Estados nações, ele nunca se esgotou por completo, reaparecendo em diversas ondas até os dias de hoje. 1 E é justamente por agregar tantas experiências históri- cas plurais que qualquer esforço de definição de nacionalismo está fadado a enfrentar inúmeras contradições internas. Ainda assim, muitos estudiosos buscaram definir um conceito mais ou menos geral de nacionalismo, o qual muitas vezes descambou para um “modelo” a ser seguido pelas nações que pretendiam adentrar a modernidade. Tal modelo, ao que tudo indica, foi internalizado, em maior ou menor grau, pelas elites políticas e intelectuais das nações em formação – sobretudo daquelas inseridas na chamada “modernidade tardia” (HALL, 2001) –, informando e formando a sua ação política no sentido de concretizar esse modelo. Mas, como cada experiência histórica é singular, essa ação direcionada da intelligentsia esbarrava em aspectos específicos de cada formação histórica nacional, por vezes pré-modernos/pré- nacionais e até diametralmente opostos ao modelo que se queria importar. O confronto entre o que deveria ser (expectativa) e o que se experimentava na prática (realidade) gerou reações diversas que iam desde a acomodação mais ou menos harmônica até o enfren- tamento direto, passando muitas vezes por uma fase (infindável?) de ressentimento, que assumiu um caráter criativo ou negativo. Este artigo pretende historicizar a importação desse modelo de modernidade nacional pela elite política do Brasil no início do Oitocentos. Em um primeiro momento, propõe-se a traçar breve- 1 Nascimento cita a “primavera das nações” no final do séc. XIX e o colapso da URSS em fins da década de 1980 como exemplos de ondas nacionalistas. A estas, juntam-se um sem-número de outras experiências, como as lutas pela independência na América, Ásia e África e, mais recentemente, a retomada de um certo nacionalismo xenófobo em alguns países. Para mais exemplos no século XX, cf. HOBSBAWM, Eric J. As perspectivas da democracia. In: ______. Nações e nacionalismos desde 1780. Programa, mito e realidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 97-120. 136