Quem vai ser brasileiro?
Alguns apontamentos sobre a construção do Brasil
nação pelas elites políticas da independência
O
Cecília Siqueira Cordeiro
nacionalismo é um fenômeno com “enorme persistência
histórica” (NASCIMENTO, 2003, p. 33). Comumente rela-
cionado ao surgimento dos Estados nações, ele nunca se
esgotou por completo, reaparecendo em diversas ondas até os dias
de hoje. 1 E é justamente por agregar tantas experiências históri-
cas plurais que qualquer esforço de definição de nacionalismo está
fadado a enfrentar inúmeras contradições internas. Ainda assim,
muitos estudiosos buscaram definir um conceito mais ou menos
geral de nacionalismo, o qual muitas vezes descambou para um
“modelo” a ser seguido pelas nações que pretendiam adentrar a
modernidade. Tal modelo, ao que tudo indica, foi internalizado,
em maior ou menor grau, pelas elites políticas e intelectuais das
nações em formação – sobretudo daquelas inseridas na chamada
“modernidade tardia” (HALL, 2001) –, informando e formando a
sua ação política no sentido de concretizar esse modelo.
Mas, como cada experiência histórica é singular, essa ação
direcionada da intelligentsia esbarrava em aspectos específicos de
cada formação histórica nacional, por vezes pré-modernos/pré-
nacionais e até diametralmente opostos ao modelo que se queria
importar. O confronto entre o que deveria ser (expectativa) e o que
se experimentava na prática (realidade) gerou reações diversas que
iam desde a acomodação mais ou menos harmônica até o enfren-
tamento direto, passando muitas vezes por uma fase (infindável?)
de ressentimento, que assumiu um caráter criativo ou negativo.
Este artigo pretende historicizar a importação desse modelo
de modernidade nacional pela elite política do Brasil no início do
Oitocentos. Em um primeiro momento, propõe-se a traçar breve-
1 Nascimento cita a “primavera das nações” no final do séc. XIX e o colapso
da URSS em fins da década de 1980 como exemplos de ondas nacionalistas.
A estas, juntam-se um sem-número de outras experiências, como as lutas pela
independência na América, Ásia e África e, mais recentemente, a retomada de
um certo nacionalismo xenófobo em alguns países. Para mais exemplos no
século XX, cf. HOBSBAWM, Eric J. As perspectivas da democracia. In: ______.
Nações e nacionalismos desde 1780. Programa, mito e realidade. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1991, p. 97-120.
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