Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 127

Outra tendência dos movimentos que lutam pela valorização de identidades específicas, como assinalou o sociólogo norte-ame- ricano Mark Lilla, é o menosprezo por valores universais, na medida em que suas atividades são dirigidas a grupos específicos – étnicos, de gênero ou outros. São incapazes de colocar as lutas específicas por identidade no quadro de valores universais de igualdade, justiça ou inclusão, e por isso tendem a fragmentar o espaço político. Os partidos políticos, ao contrário, são agregadores de interes- ses por natureza. É próprio dos partidos exercerem o papel de ponte entre as reivindicações da sociedade e o Estado. Esta carac- terística, aliada à competição eleitoral por representatividade no legislativo, força os partidos a ampliar sua massa de votantes e adotar programas que seduzam o maior número possível de grupos sociais. Daí a dificuldade de sobrevivência de partidos ideológicos rígidos, de esquerda ou de direita, ou daqueles que elegem uma causa específica, como os partidos ecológicos. Os partidos se diferem ainda dos movimentos em sua estrutura organizativa. Os partidos podem ser burocráticos, elitistas ou autoritários, mas sempre contam com uma estrutura definida, programas, regras e objetivos de curto e longo prazo que dão a eles uma estabilidade inexistente nos voláteis movimentos sociais. Como encaixar nestas características os movimentos cívicos brasileiros? Basta uma rápida olhada nos manifestos, programas e composição de membros de movimentos como “Agora”, “RenovaBR”, “Vem Prá Rua”, para deixar confuso aqueles familiarizados com a literatura sobre movimentos sociais. Em todos os movimentos, existe uma forte percepção de que os partidos políticos estão supe- rados e a representatividade política atual está decadente. Colo- cam-se dessa forma como alternativa aos partidos políticos e cria- dores de uma “nova forma de fazer política”. Não há porque duvidar da sinceridade, das boas intenções e da disposição de mudar o Brasil por parte destes movimentos cívicos. Contudo, seu discurso e sua prática contêm muitas contradições. Em primeiro lugar, pouco se assemelham às características dos movimentos sociais descritas anteriormente. Na verdade, parecem mais entidades híbridas, a meio caminho entre movi- mento e partido, juntando de forma confusa elementos tanto dos partidos como dos movimentos. O “Agora”, por exemplo, criou sua própria burocracia: comissões para desenvolver propostas minu- ciosas sobre uma miríade de temas sociais, econômicos, culturais Um olhar sobre o fetichismo do novo 125