Revista Redescrições | Page 87

87 possuindo características de uma casa e que as pessoas na cultura ocidental deveriam ser compreendidas não somente enquanto mortais, mas também enquanto residentes de casas. Sua relação com o mundo em sua inteireza é a de habit-antes (inhabit-ants) em um prédio abarrotado chamado cosmos. Então, as quest-ões (quest-ions) são estas: por que o pensamento moderno deveria dar tchau a essa equação entre mundo e casa? Por que precisamos de uma nova imagem para designar como homens modernos vivem em contêineres sociais e arquitetônicos? Por que eu proponho o conceito de espumas? A resposta mais simples é esta: porque, desde o Esclareci-mento (Enlight-ment), nós não precisamos de uma casa universal para considerar o mundo um lugar digno de se habitar. É suficiente uma unité d'habitation, um amontoável número de células habitáveis. Através do tema da célula habitada, posso manter o imperativo esférico que se aplica a todas as formas de vida humana, mas que não pressupõe totalização cósmica. O amontoado de células em um bloco de apartamento, por exemplo, não gera mais a clássica entidade casa/mundo, mas uma espuma arquitetônica, um sistema multicâmara constituído de mundos pessoais relativamente estabilizados. Seria essa deterioração do mundo-casa ou da esfera totalizante em bolhas de espuma uma imagem de entropia? Ao contrário, na modernidade, é estabelecida uma complexidade mais profunda que aquela possível sob a clássica noção de unidade. Nós não podemos nos esquecer que a metafísica é o campo de sólidas simplificações e que, portanto, possui um efeito consol-ador (consol-atory). A estrutura da espuma é incompatível com um mindset monoesférico; o todo não pode mais ser retratado como um todo redondo e abrangente. Deixe-me utilizar de uma anedota para indicar a mudança significativa: em suas memórias, Albert Speer recorda que os designes para a gicanto-mânica (giganto-manic) nova Chancelaria do Reich, em Berlim, originalmente previu uma suástica coroando a cúpula, que teria cerca de 290 metros de altura. Em um dia de verão de 1939, Hitler, então, falou: “A coroa do maior prédio do mundo tem que ser a águia sobre globo”. Esse comentário deveria ser levado como atestando a restauração mais brutal do pensamento monocêntrico imperial – como se Hitler tivesse, por um momento, intervindo na agonia da metafísica clássica. Em contraposição, por volta de 1920, em suas reflexões sobre os Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 86/105]