Revista Redescrições | Page 82

82 História, Natureza ou Verdade. Sua coleção final sustenta que “política cultural” – um termo guarda-chuva para conversação ou investigação que se dão na falta de critérios acordados que governem a discussão – deve ter a “última palavra” em desacordos, de modo a “tanto o monoteísmo quanto o tipo de metafísica e ciência que pretendem dizer a você o que o mundo realmente é são substituídos pela política democrática” (2007, p. 30-1). Para Rorty, tanto a instituição quanto a cultura da democracia liberal seriam melhor servidas por um vocabulário alternativo de reflexão política e moral, em vez de um vocabulário estruturado ao redor de noções como Verdade, Racionalidade e Obrigação Moral. De um lado, afastar apelos a uma autoridade não humana irá “afastar um tanto mais as desculpas para o fanatismo e a intolerância” (1998a:83) – algo que Rorty mais tarde dá o nome de “pragmatismo como antiautoritarismo”. De outro lado, tudo se resume a uma questão de eficiência: como melhor trazer a “utopia democrática global” imaginada pelo Iluminismo – nomeadamente, “um planeta no qual todos os membros das espécies estão preocupados com o destino de todos os outros membros” (1998a, p. 12). Então, “a questão é não sobre como definir palavras como ‘Verdade’ ou ‘Racionalidade’ ou ‘Conhecimento’ ou ‘Filosofia’, mas sobre qual autoimagem nossa sociedade deveria ter dela própria” (1991, p. 28). Abandonar o que Nietzsche chama de “conforto metafísico” tem como consequência a aceitação de nossos companheiros humanos como únicas fontes de orientação: “o que importa é nossa lealdade a outros seres humanos de mãos dadas contra a escuridão, não nossa esperança de fazer as coisas da maneira certa” (RORTY, 1982, p. 166). Um inclusivo, embora minguado, comunitarismo toma forma, onde o objetivo é cultivar uma identidade moral compartilhada – uma “comunidade global de confiança” – que nos faria mais propensos a agir para remediar o sofrimento e a injustiça alheios, não via apelos à obrigação moral universal kantiana, mas através de um cultivo de um sentimento humeano através de narrativas – “estórias tristes e sentimentais” (1998a, p. 185) – e de uma literatura, como a de Dickens e a de Stowe, que cria laços de simpatia. Da mesma forma, Para realizar a América se esforça por reacender a participação dos intelectuais de esquerda na política nacional ao argumentar que a autorrenovação democrática coletiva requer um compromisso emocional, como o orgulho. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 79/85]