Revista Redescrições | Page 20

20 “Eu respondi até os meus 14 anos. Todas vocês sabem por quê. Quando eu tinha 14 anos, fizeram-me casar. Eu o conheci na noite de núpcias. Não antes. E, co mo vocês todas, sabem, eu só o vi na manhã seguinte, quando ele abriu as persianas. À noite, eu não o vi. Estava escuro. Ele só me v iolentou. Eu achava que um marido sentava na cama ao lado da esposa e segurava a mão dela. E era gostoso. Ele tinha 40 anos e já tinha dois filhos. Um de 10 anos e o outro de 11. A mãe deles tinha morrido após uma longa doença, meses antes. Aos 14 anos, eu me tornei mãe de crianças da minha idade. Depois, dei à lu z dezenove vezes. Doze mo rreram, dos quais dois na montanha perto da fonte. Você, Moufida, deu à luz doze vezes, cinco morreram. Ela aponta para uma mu lher dizendo: você, oito vezes . Três bebês. Você Yasmina, seis vezes, não é? Três bebês mortos! É t radição, estamos acostumadas. Metade das crianças que tivemos morre. Por mu ito tempo, fu i tratada como u ma pária. Meu marido queria me repudiar dizendo que eu era estéril. Hoje, tenho sete filhos todos bem de saúde graças a Deus ”. A fala de Velho fusil me remete a herança pós-colonial no sentido de entender o que significa e que aspectos posso utilizar para analisar esse contexto de violência instituída. Quero salientar que o pensamento pós-colonial se sustenta nos conceitos de subalternidade, do não lugar e que este dá origem à situação pós-colonial identificada por uma posição subalterna dos sujeitos que não têm lugar nas narrativas oficiais. Segundo Spivak (2010, p.12) o sujeito subalterno é aquele pertencente “às camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos mercados, da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante”. Está incluindo nesse conceito de subalternidade as mulheres que sofrem o ela qualifica de dupla colonização. Este argumento condiz perfeitamente com outra cena do filme na qual aparece com toda clareza a submissão do corpo, das tarefas domésticas, da condição de vida doméstica e ao mesmo tempo surge a resistência e o lugar de fala. Novamente Velho fuzil fala: -“Leila tem razão. Ela vem de longe, é verdade, do sul. O vento do deserto deu a ela a coragem de soprar, enquanto nós prendemos a respiração! Os homens têm que trazer água! E como vai convencê- los? Diga- me.” Leila responde: - “Vamos fazer greve de amor. Todas as mulheres ficam em silêncio. Velho Fuzil diz: Sim. Por que não? Vamos fazer greve de amor”! Ninguém diz nada e algumas começam a sair do local. Outras ficam. Alguém fala: “Santanás se apossou de você Leila? É pecado”! Outra comenta: “prefiro ir buscar água a vida toda, que dispensar meu homem”. Rebatendo os argumentos Leila insiste: “É o nosso único poder sobre os homens. Vamos rejeitá- los até que acabe a água da Aldeia”. As mulheres saem sem se comprometer. Redescrições - Revista online do GT de Prag matis mo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 19/26]