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“Eu respondi até os meus 14 anos. Todas vocês sabem por quê. Quando eu
tinha 14 anos, fizeram-me casar. Eu o conheci na noite de núpcias. Não antes.
E, co mo vocês todas, sabem, eu só o vi na manhã seguinte, quando ele abriu
as persianas. À noite, eu não o vi. Estava escuro. Ele só me v iolentou. Eu
achava que um marido sentava na cama ao lado da esposa e segurava a mão
dela. E era gostoso. Ele tinha 40 anos e já tinha dois filhos. Um de 10 anos e
o outro de 11. A mãe deles tinha morrido após uma longa doença, meses
antes. Aos 14 anos, eu me tornei mãe de crianças da minha idade. Depois, dei
à lu z dezenove vezes. Doze mo rreram, dos quais dois na montanha perto da
fonte. Você, Moufida, deu à luz doze vezes, cinco morreram. Ela aponta para
uma mu lher dizendo: você, oito vezes . Três bebês. Você Yasmina, seis vezes,
não é? Três bebês mortos! É t radição, estamos acostumadas. Metade das
crianças que tivemos morre. Por mu ito tempo, fu i tratada como u ma pária.
Meu marido queria me repudiar dizendo que eu era estéril. Hoje, tenho sete
filhos todos bem de saúde graças a Deus ”.
A fala de Velho fusil me remete a herança pós-colonial no sentido de entender o
que significa e que aspectos posso utilizar para analisar esse contexto de violência
instituída. Quero salientar que o pensamento pós-colonial se sustenta nos conceitos de
subalternidade, do não lugar e que este dá origem à situação pós-colonial identificada
por uma posição subalterna dos sujeitos que não têm lugar nas narrativas oficiais.
Segundo Spivak (2010, p.12) o sujeito subalterno é aquele pertencente “às camadas
mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos
mercados, da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros
plenos no estrato social dominante”. Está incluindo nesse conceito de subalternidade as
mulheres que sofrem o ela qualifica de dupla colonização.
Este argumento condiz perfeitamente com outra cena do filme na qual aparece
com toda clareza a submissão do corpo, das tarefas domésticas, da condição de vida
doméstica e ao mesmo tempo surge a resistência e o lugar de fala. Novamente Velho
fuzil fala: -“Leila tem razão. Ela vem de longe, é verdade, do sul. O vento do deserto
deu a ela a coragem de soprar, enquanto nós prendemos a respiração! Os homens têm
que trazer água! E como vai convencê- los? Diga- me.” Leila responde: - “Vamos fazer
greve de amor. Todas as mulheres ficam em silêncio. Velho Fuzil diz: Sim. Por que
não? Vamos fazer greve de amor”! Ninguém diz nada e algumas começam a sair do
local. Outras ficam. Alguém fala: “Santanás se apossou de você Leila? É pecado”!
Outra comenta: “prefiro ir buscar água a vida toda, que dispensar meu homem”.
Rebatendo os argumentos Leila insiste: “É o nosso único poder sobre os homens.
Vamos rejeitá- los até que acabe a água da Aldeia”. As mulheres saem sem se
comprometer.
Redescrições - Revista online do GT de Prag matis mo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 19/26]