13
coração24. Jesus Cristo e os santos a representam. Os homens desta ordem têm o seu
império, de modo que não há necessidade das grandezas tanto da carne como do
espírito. Como disse Pascal em relação a esta ordem: “Deus lhes basta.” 25 Portanto, cada
ordem, com suas respectivas características, compõe a antropologia pascaliana. Tal
organização pode ser vista de duas formas.
Antes do pecado adâmico, a ordem do coração imperava, seguida da ordem do
espírito e, por fim, a ordem da carne. Mas, com o pecado, tais ordens se arranjam de
outra forma: predominância da ordem da carne, depois do espírito e, por fim, do
coração. Desta maneira, o homem decaído é ganancioso pelos bens da carne, orgulhoso
pelas conquistas do espírito, e seu coração, parte da alma que se relacionava com Deus,
está, nos dizeres de Pascal, “[…] oco e cheio de lixo.” 26 Diante da antropologia
pascaliana, introduziremos a morte neste sistema conceitual. Como cada representante
das ordens concebe a morte?
Os homens da carne, tendo o corpo como seu principal bem, encaram a morte
como o fim de seus reinados, de suas conquistas, de seus bens. Um rei que não se
diverte inevitavelmente irá deparar-se com a finitude, com a morte, cedendo “[…] às
circunstancias que o ameaçam, revoltas que podem acontecer e finalmente a morte e as
doenças que são inevitáveis […]”.27 Os reis, os capitães e os ricos, impelidos pela lógica
carnal, encaram a morte como o fim de suas conquistas, o desaparecimento de sua
glória. A visão da morte sem divertimento os faz “infeliz[es], e mais infeliz[es] do que o
menor de seus súditos que jogam e se divertem”.28 Já os homens do espírito, obcecados
pelo desejo de conhecer, concebem a morte como o fim de sua glória intelectual: não
poderão mais se vangloriar, mostrando “[…] aos sábios que resolveram uma questão de
24 Diversos são os autores que analisaram o conceito de coração. Ver GOUHIER, Henri. Blaise
Pascal: conversão e apologética. trad. Éricka Marie Itokazu e Homero Santiago. São Paulo: Paulus,
2006, p. 85-111; GUILLAUMONT, Antoine. Les sens des noms du coeur dans l’antiquité. In: Swami
Addev ANANDA et al. Le coeur. Bélgica: Société Saint Augustin. 1950, p. 41–81; MICHON, Hélène. L
´ordre du coeur: philosophie, théologie et mystique dans les Pensées de Pascal. Paris: Editions
Champion, 1996, 271-303; SELLIER, Philippe. Pascal et Saint Augustin. Paris: Albin Michel, 1995, p.
125-139.
25 PASCAL, Blaise. Pensées, Laf. 308, Bru. 793.
26 PASCAL, Blaise. Pensées, Laf. 139, Bru. 143.
27 Ibid.,, Laf. 136, Bru. 139.
28 Ibid.,, Laf. 136, Bru. 139.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 6/18]