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Como afirmado acima, Sloterdijk define as comunidades como coletivos
criadores de esferas. Esferas são caracterizadas por complexidades e fragilidades,
inseridas em um ambiente dinâmico, senão hostil. Fazer política significa produzir e
manter um clima específico dentro de uma esfera (1999, p. 1007). Embora Sloterdijk
diferencie esse clima em nove dimensões, ele enxerga duas forças psicodinâmicas
fundamentais atuando: eros e thymos.
Os relatos de Sloterdijk sobre eros, a primeira força psicodinâmica, são um tanto
escassos. É eros que mostra o caminho aos “objetos”. De uma perspectiva erótica, os
objetos supostamente preenchem o vácuo criado pela ausência do útero. A possessão de
objetos produz um sentimento de completude (2005b, p. 30). As forças eróticas oscilam
entre o impulso de acumular objetos egoisticamente, de um lado, e de compartilhá-los
altruisticamente, de outro. Em termos políticos, a necessidade de acumular pode ser
traduzida na tentativa de dominar outros indivíduos, objetos e territórios, enquanto que
mecanismos de compartilhamento levam a atitudes de solidariedade.
Eros tem a ver com o que se tem, thymos tem a ver com o que se quer ser.
Thymos refere-se ao orgulho, à coragem, à magnanimidade, à necessidade de justiça,
aos sentimentos de dignidade e honra, à indignação e à vingança (2005b, p. 27).
Sloterdijk concebe o thymos à moda platônica e sublinha sua paradoxa peculiaridade no
fato de que uma pessoa (ou coletividade) possa desenvolver sentimentos de orgulho não
apenas em relação aos outros, mas também em relação a si mesma. Isso acontece
quando uma pessoa (ou coletividade) não está satisfeita com sua própria conduta e se
sente envergonhada (2005b, p. 41). Para manter o excedente thymótico dentro de uma
esfera, indivíduos (ou coletividades) tendem a fazer um juízo de diferenciação entre eles
próprios e os outros para criar um excesso de autoestima positiva (2005b, p. 38). Isso
pode ser alcançado por duas estratégias diferentes: ou negando ou afirmando o outro.
No primeiro caso, Sloterdijk se refere a mecanismos de vingança, nos quais o objetivo
maior é agredir o outro de tal modo que a autoestima própria possa ser reestabelecida.
Ao fazê-lo, uma humilh ação pode ser compensada. No segundo caso, o respeito próprio
é reposto através de um ato de misericórdia. Ao perdoar-se o outro por haver
transgredido o thymos próprio, não apenas liberta-se da maldição como também
devolve-se a liberdade àquele que, de outro modo, permaneceria culpado. No segundo
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 90 a 110]