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tal sujeito consigo mesmo.
Contudo, no prosseguimento do raciocínio de Evans, a alucinação é
imediatamente assimilada a um exemplo tipicamente ilustrador daquela teoria clássica
da percepção:
Pela mesma razão, parecerá correto, a uma pessoa que vê um graveto meio
imerso n’água, dizer que realmente está confrontando algo torto.28
Poder-se-ia dizer de Evans o mesmo que Lacan disse pretendendo combater, em 1936, a
teoria clínica nomeada de “psicologia associacionista”: “assimilando o fenômeno da
alucinação à ordem sensorial, a psicologia associacionista tão só reproduz o alcance
absolutamente mítico que a tradição filosófica conferia a esse fenômeno, na questão
escolar sobre o erro dos sentidos”29.
É curioso descobrir que tal concepção é idêntica à definição do fenômeno
alucinatório para a medicina psiquiátrica do século
XIX.
Jean Étienne Dominique
Esquirol, em 1838, definiu a alucinação como uma “sensação atualmente percebida,
enquanto que nenhum objeto próprio a excitar esta sensação está ao alcance dos
sentidos”, e em 1864, Jean-Pierre Falret cunha a frase que deveio clássica: a alucinação
é uma “percepção sem objeto”30. O problema dessas definições é criarem a ficção de um
sujeito alucinado separável de sua própria alucinação, como se esta fosse um instante
breve de insanidade, falha da razão, ou desrazão, o que é profundamente insatisfatório
do ponto de vista do tratamento de uma psicose. Evans, naturalmente, no único
momento em que esboça uma preocupação terapêutica com o sujeito alucinado, só
consegue sugerir como tratamento uma correção da sentença proferida pelo alucinado,
em favor de sua adequação com a situação referencial:
quando a intenção é direcionar a atenção dos pensamentos do audiente para
alguma coisa de que o falante acha que também ele tem informação, nada
além do objeto de que deriva a informação pode ser o referente desse uso do
termo. Assim, se o falante está alucinando e profere uma sentença contendo
um demonstrativo, “Este homem está prestes a nos atacar”, na crença de que
sua audiência possa perceber a mesma pessoa, o demonstrativo está sem
referente: a coisa certa a ser dita é: “Acalme-se: aquele homem não existe” –
mesmo que, por acaso, aconteça de haver algum homem na direção geral
indicada pelo falante. 31
28
(EVANS: 1982, p. 200).
“Au-délà du ‘principe de réalité’” (Lacan, 1966, p. 77).
30
Extraídas do ótimo texto de Frédéric Pellion (2005, pp. 283-299), “Six notes à propos de
l'hallucination verbale selon Jacques Lacan: un cas du dialogue psychanalyse/psychiatrie”.
31
(EVANS: 1982, p. 323).
29
Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 77 a 89]