Revista Redescrições | Page 71

71 aos quais nos referimos, é moldado segundo nossos critérios de aceitabilidade racional, propostos por nossa linguagem. A conclusão a que Putnam chega é a seguinte: nosso vocabulário é como que constrangido pelo mundo empírico, e não é uma criação aleatória e unilateral, pois o mundo participa da formação desse vocabulário. Porém, nosso enquadramento do mundo real não é indiferente e impassível a esse mesmo vocabulário e, uma vez que os nossos valores são a lente através das quais nós podemos visualizá-lo, esse enquadramento do mundo real depende dos nossos valores. Em suma, o mundo externo à nossa mente não depende de nossas considerações concernentes a ele para existir, mas o mundo, com seus objetos, depende de nossos valores para ser formado, haja vista que não existe uma linguagem independente de nós no mundo. Ademais, Putnam declara que ao menos alguns dos valores epistêmicos têm que ser objetivos. Ele argumenta que aceitar racionalmente um determinado enunciado depende do pano de fundo constituído por valores epistêmicos, pois os enunciados cognitivos não podem ser formulados, significativamente, sem a adesão a termos valorativos (PUTNAM, 1992, p. 175). O imbricamento entre as noções de fato e valor nega que os enunciados factuais possam ser neutros. Afinal, a tese do imbricamento entre as noções de fato e valor repousa na revisão dos pressupostos do realismo tradicional, de modo que seria despropositado afirmar uma linguagem do mundo inteiramente factual, independente de nossos usos e aplicações conceituais (PUTNAM, 2008a, p. 147). Se aceitarmos a crítica ao realismo tradicional em pelo menos uma de suas considerações, o teremos suficientemente fragilizado para podermos afirmar, depois de tudo exposto, que o modo de falarmos sobre a realidade exterior depende de conceitos por nós aplicados a ela. Não obstante, esses conceitos são suscitados pela pressão dessa realidade exterior que, assim, corrobora sua formação, e, portanto, não são meramente casuais ou convencionais. O fato de nossos usos e aplicações de conceitos se referirem a uma realidade exterior independente de nós quer dizer, a uma só vez, que não há algo como propriedades de objetos independentes de nossa linguagem (2008a, p. 23); e também que nossa linguagem conceitual refere-se a características dessa realidade exterior (PUTNAM, 1992, p. 176). De acordo com isso, podemos dizer que termos avaliativos como “coerente”, “simples”, etc., não são destituídos de uma aplicação que se relaciona com a realidade, Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 49 a 76]