Revista Redescrições | Page 61

61 adotássemos uma versão de fato que esteja dependente de nossas descrições, certas descrições implicarão termos avaliativos18. Se a dicotomia entre juízos factuais e juízos valorativos encontrava alguma legitimidade na divisão estanque entre os enunciados analíticos e os enunciados sintéticos, os argumentos em favor daquela dicotomia malogram com a demonstração de que esta última divisão deveria ser abandonada. Como demonstraremos na próxima seção, não é possível que tenhamos uma noção de fato sem que haja valores, o que Putnam chama de “imbricamento” entre fatos e valores. 2. A Dicotomia entre Juízos de Fato e Juízos de Valor A rejeição do possível caráter cognitivo dos termos avaliativos por parte do positivismo lógico ocorre porque a sua noção de fato, herdeira do empirismo humeano, não admite, pelos seus critérios de aceitabilidade racional, a intrusão de valores. Esses critérios de aceitabilidade racional são aqueles que dizem respeito às condições estabelecidas para aceitarmos ou não um enunciado. Ainda que admitamos que a alteração da noção de fato do positivismo lógico19 permita a inclusão de enunciados que, tomados individualmente, não são factuais, isso não resolve o problema, uma vez que a distinção analítico/sintético mostra-se colapsada. Dessa forma, as sucessivas mudanças na noção de fato pelo Positivismo Lógico, bem como o esboroamento da dicotomia analítico/sintético, deixou um vácuo no tocante aos aspectos cognitivos tanto dos fatos, quanto dos valores. Passaremos à apresentação da posição de Putnam acerca da distinção fato/valor, que fora inflada até tornar-se uma dicotomia. Ele apresenta duas linhas argumentativas. A primeira afirma que nossas práticas cognitivas instituídas, a saber, a prática de investigação científica, pressupõem valores. A segunda linha argumentativa procurará mostrar que enunciados com valores éticos não são destituídos de conteúdo factual, ou melhor, muitos enunciados éticos pressupõem considerações acerca de fatos, o que garante que não sejam meramente convencionais. Esses dois argumentos perfazem a noção de imbricamento entre enunciados de fato e enunciados de valor, que terá como consequência aquilo que Putnam tem chamado de colapso da dicotomia fato/valor, o que deixará claro que nossos ditos enunciados factuais são avaliativos. 18 A noção de que objetividade e fato devem ser igualados a descrição é rejeitada por Putnam, como veremos a seguir. 19 Op. cit. 18 Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 49 a 76]