Revista Redescrições | Page 59

59 predicados teóricos devem ser aceitos como ‘empiricamente significativos16’” (2008a, p. 48), o que provoca uma importante alteração na noção de fato positivista. Putnam afirma que a linguagem, para os positivistas lógicos, caso quisesse ser cognitivamente significativa, deveria se assemelhar à linguagem que temos na física (2008a, p. 43). Porém, o próprio positivismo lógico mantêm pressupostos que não se assemelham a essa linguagem. Putnam afirma que “se for verdade que apenas podem ser aceitáveis racionalmente os enunciados verificáveis criteriosamente, esse mesmo enunciado não pode ser verificado criteriosamente” (PUTNAM, 1992, p. 147). Portanto, o próprio pressuposto do positivismo lógico, no que diz respeito às condições de verificabilidade e aceitabilidade racional, o derroga, visto que ele não possui os pré-requisitos suficientes e necessários para que faça parte da classe de enunciados que ele mesmo afirma serem aqueles cognitivamente relevantes. É, desse modo, autorrefutante, apesar de sua alteração na noção de fato, pois “o próprio critério dos positivistas lógicos não é (a) analítico, nem (b) testável empiricamente” (1992, p. 142). 16 Posteriormente, Carnap considerou que entidades físicas, tais como os elétrons, prótons, não são entidades que formam as teorias a partir de simples definições, mas são consideradas entidades primitivas. Segundo Putnam, essa reconsideração provocou uma revisão profunda nos critérios acima mencionados, haja vista que ao serem tomadas como primitivas, certas entidades não precisariam mais ser submetidas aos critérios. Antes, se algum termo científico abstrato pudesse assegurar-nos maior poder preditivo em uma teoria, deveríamos, assim, toma-lo como “empiricamente significativo”. (PUTNAM, 2008a, p. 41). E predizer, para os positivistas lógicos, significa “deduzir sentenças de observação a partir de uma teoria” (2008a, p. 46). No caso presente, essas considerações de Putnam interessam-nos em razão da noção de fato do empirismo lógico. Embora Putnam esteja convencido de que “no critério positivista lógico revisado do significado cognitivo, é o sistema dos enunciados científicos como um todo que tem ‘conteúdo factual’” (2008, p. 41). Isso pode ser afirmado pelo que nós já expomos anteriormente. Dentro de uma teoria científica, o conjunto de enunciados articulados proporciona a capacidade de, por exemplo, prever-se um evento. Ora, se esse conjunto de enunciados, enunciados esses considerados de modo articulado, nos garante que um evento pode ocorrer, devemos concluir que o conjunto de enunciados é significativo do ponto de vista empírico. Mas essa conclusão é válida para o conjunto de enunciados, na perspectiva inter-teórica. Na perspectiva de um enunciado, considerado individualmente, a conclusão muda. Se tivermos, dentro do conjunto de enunciados de uma teoria que garante previsibilidade, um enunciado que postula a existência de um termo abstrato, poderíamos entender o conjunto de enunciados como cognitivamente relevante, pelos motivos já expostos, mas não poderíamos fazer o mesmo com o enunciado individual. Isso de deve ao fato de que, tomado individualmente, um enunciado que postula uma entidade abstrata pode estar destituída de meios de confirmação (como, por exemplo, a previsibilidade empiricamente significativa prestada pelo conjunto de enunciados) justamente em razão do seu caráter. Assim, um enunciado individual que postulasse uma entidade abstrata somente seria significativa quando interpretada no interior de uma teoria formada por enunciados empiricamente relevantes. Individualmente, um enunciado de tal espécie não teria relevância cognitiva, ou melhor, não possuiria significado. Por isso, Putnam afirma que a visão geral do conceito de fato do empirismo lógico continuou, no fundo, apesar da revisão do conceito, muito influenciada pelo empirismo clássico. Os enunciados individuais eram aceitos na linguagem científica “como meros artifícios para derivar as sentenças que enunciam realmente os fatos empíricos, a saber, as sentenças de observação” (2008a, p. 41). Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 49 a 76]