Revista Redescrições | Page 41

41 autos do processo, uma juíza irá propor uma leitura do que seria metaforicamente “bom” e “justo” em cada situação, partindo de motivos que estão realmente em jogo no pano de fundo político, econômico ou antropológico que vivemos (cf. RORTY, 1999, pp. 98-99). Aequi refere-se ao equitativo, produto da equidade e, como sabemos, não se relaciona a norma escrita (cf. ARISTÓTELES, Ret. 1374a26 e ss.). Equidade como arte de distribuir o uso mais satisfatório, entre os semelhantes, de palavras como “justo”75. Esta sugestão ao uso do termo “direito”, que (re-)descreve o uso romano, é recriada no sentido de lembrar o caráter literário das narrativas jurídicas. Não estou “fixando” o termo, pois sei que amanhã outra narrativa surgirá. Enquanto habilidade prática ou artística, o direito, como gênero literário, ganha fronteiras mais abertas, nisso que Rorty chamaria de agir democrático social conversacional. Não irá se restringir a rigidez epistemológica, porque sabe que sua narrativa é justificatória. Como arte da prudência, ou jurisprudentia, adapta-se às mudanças imprevisíveis e não se prende ao desejo científico da estabilidade, segurança e certezas imodificáveis. Mesmo Kant, que fundamenta o direito num conceito seguro de razão, lembra, ao tratar da equidade (Billigkeit), de uma frase de Cícero76, na qual é afirmado que “... o direito mais rígido é a maior injustiça” (... das strengste Recht ist das grösste Unrecht) (KANT, 1907, p. 235 [17]). O sentido de rigidez na aplicação do termo relaciona-se com a noção de cientificismo jurídico e a falta de um grau de flexibilidade daqueles que atuam com o direito. O escopo de uma ciência rígida, por desejar ser sempre mais geral, será o de maior grau de universalidade possível. No caso da ciência do direito, esta almejaria o ideal da aplicação mais universal possível em uma dada sociedade. Ao ignorar os contextos sociais históricos de um país, ela engessa-se e torna-se rígida e inflexível. Por outro lado, narrativas que possibilitam o uso da equidade, opôem-se àquelas da ciência rígida. Nesse ambiente de diálogo e argumentos, narrativas 75 Aqui remetemos a interpretação de “tò díkaion” em Aristóteles enquanto “direito” no livro V da Ethica Nichomachea. Cf. VILLEY, 1998 (1983), p. 47 e ss. A aproximação de Michel Villey é muito importante para nossa análise, entretanto, em razão do argumento aqui defendido, renunciamos ao fundacionismo da mesma. 76 Trata-se de um provérbio citado por Cícero, “summum ius summa iniuria”, que traduzo como “o extremo (ou mais elevado) direito é a extrema (ou mais elevada) injustiça” (CICERO, L. I, 33) e que tem sua origem em Terêncio, “ius summum saepe summast malitia” (o direito extremo é com frequência o extremo mal) (TERÊNCIO, Ato IV, 796). Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014