Revista Redescrições | Page 37

37 o fim social esperado por esse filósofo, quando trata de sociedades democráticas, é o de uma “maior solidariedade humana” (greater human solidarity) e, no meu entender, o uso do termo “direito” seguiria essa vertente. A forma mais aguda deste tipo de superação de um vocabulário “técnico” por outro mais abrangente, é encontrada no momento em que uma jurista se colocaria como literata ou hermeneuta. Aqui ela não é mais uma advogada, uma promotora pública ou uma juíza, o que a ciência do direito chamaria de “administradoras da justiça”, mas pensadoras sencientes da “justiça”. Conhecendo posições filosóficas, sociológicas e políticas, a jurista pode estabelecer aquilo que podemos chamar de discussão mais geral, mais abrangente em sua atuação prática65. Aqui os conceitos específicos de “justiça”, “obrigação”, “direito subjetivo”, “moral” ou “ética” se tornarão vocabulários a serem amplamente discutidos66 e melhorados no agir prático inclusivo de sempre novas e mais abrangentes narrativas. Os vocabulários serão constantemente reinventados e buscarão o enfoque voltado para que tipo de “imagem própria do direito” a sociedade em que vivemos merece ter67. Nesta expectativa rortyana há, no meu entender, uma expectativa de melhora da sociedade (portanto, do seu “direito”), ainda que os objetivos de melhora estejam constantemente a ser redefinidos por esta sociedade democrática e pluralista. Conclusão: O direito como arte prática ou prática artística conversacional e literária 65 Cf. RORTY, 2007a, p. 202. 66 Rorty também acentua a contingência de noções como “justiça”, “ética” ou “prudência”. Os chamados “princípios morais” só têm um sentido na medida em que eles incorporam referências tácitas a uma vasta gama de instituições, práticas e vocabulários de deliberação moral e política (RORTY, 1989, pp. 58-59). Para ele a “moralidade” é a nossa voz enquanto membros de uma comunidade que fala uma linguagem comum. A moral não é um produto do indivíduo, mas da sociedade em que vivemos. As exigências da moralidade são exigências da linguagem e como para Rorty as linguagens são contingências socio-históricas, então ter convicções morais é um problema de identificação com esse tipo de contingência. Portanto, a contingência dos valores morais deriva da própria contingência da linguagem utilizada por uma comunidade (cf. RORTY, 1989, pp. 60-61). 67 Parafraseando Rorty em sua colocação sobre o tipo de auto-imagem que a sociedade deve ter de si mesma: “For now the question is not about how to define words like “truth” or “rationality” or “knowledge” or “philosophy”, but about what self-image our society should have of itself”. RORTY, 1991a, p. 28. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]