Revista Redescrições | Page 35

35 (ethnos). De outro modo, o problema está em atingir cada vez mais pessoas e grupos, em obter mais informações e preocupar-se com os mesmos. Neste contexto, entendo que Rorty se aproximaria de Gadamer e afirmaria que, na prática jurídica, mais importante do que identificar ou trabalhar com um “saber formal” (epistéme), é o atuar com prudência (phrónesis)62. Nesto aspecto, ao lembrar Aristóteles, penso que a convergência das perspectivas gadameriana e rortyana ocorre quando ambos entendem o agir do direito não como uma mera técnica (téchne), uma ciência (epistéme) ou uma sabedoria filosófica (sophía). O agir do direito se prestaria, acima de tudo, ao agir da phrónesis63. A prudência relacionar-se-ia com uma faculdade de agir que o jurisconsulto disporia ao poder julgar ou justificar uma situação ou ação conflitiva e, neste agir, poder utilizar sua sagacidade e exprimir o seu saber. Ela seria um saber prático, a ser aplicado a cada situação concreta de uma maneira nova e diferente (GADAMER, 1986, p. 314). Penso que neste agir com prudência, que o jurista poderia expressar o saber conversacional sentimental, adquirido através do contato com as narrativas não científicas e que são, ao final, responsáveis por mudanças na forma como tratamos nossos semelhantes. Neste momento, o jurisconsulto detém a arte de interpretar, isto é, simultaneamente, (a) entender um texto, (b) o (re-)expor, o (re-)explicar ou o (re-)construir e (c) o aplicar a um caso concreto. O jurisconsulto não só disporia da “norma”, mas também dos textos científicos, não científicos, interpretativos ou não, que giram em torno da prática social em que vive64. Ele não está preso a norma, podendo, com o entendimento dos fins da prática em que está envolvido, 62 Trabalho aqui com os usos rortyanos dos termos: “The notion of culture as a conversation rather than as a structure erected upon foundations fits well with this hermeneutical notion of knowledge, since getting into a conversation with strangers is, like acquiring a new virtue or skill by imitating models, a matter of phrónesis rather than episteme.” (RORTY, 1980, p. 319). Cf. RORTY, 1982, p. 164. 63 Percebemos aqui, por outro lado, que este saber se relaciona com outros três saberes de maneira direta (ARISTÓTELES, EN 1139b14-17) e que o saber da phrónesis é mutável, o que não ocorre com a epistéme e a sophía. Neste contexto, a distância entre arte e phrónesis, apontada por Aristóteles, não se assemelha àquela que elaboraremos neste texto. Para Aristóteles, a arte é téchne e relaciona-se com a criação, com a capacidade de fazer, com o estabelecimento de um método de raciocínio e com coisas que são criadas e não com coisas que existem por natureza ou em conformidade com ela (que têm origem em si). EN 1140a1 e ss. A interpretação do termo “arte” que utilizo não se aproxima do sentido de téchne aristotélica. No meu entender, phrónesis e arte andam em paralelo, quando falamos de direito. Para Aristóteles, a arte enquanto téchne estaria mais próxima da habilidade de fazer e não da capacidade de agir. Por isso, a phrónesis aristotélica teria, a meu ver, um destaque no atuar que observamos no direito e que se soma a um outro sentido de arte que utilizarei neste texto: “arte” enquanto “ars” romana. 64 Nesta ação não há uma suposta diferença entre uma interpretação decisória e uma interpretação científica. Há apenas interpretação. Cf. WARAT, 1979, p. 39. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]