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(ethnos). De outro modo, o problema está em atingir cada vez mais pessoas e grupos,
em obter mais informações e preocupar-se com os mesmos.
Neste contexto, entendo que Rorty se aproximaria de Gadamer e afirmaria que,
na prática jurídica, mais importante do que identificar ou trabalhar com um “saber
formal” (epistéme), é o atuar com prudência (phrónesis)62. Nesto aspecto, ao lembrar
Aristóteles, penso que a convergência das perspectivas gadameriana e rortyana ocorre
quando ambos entendem o agir do direito não como uma mera técnica (téchne), uma
ciência (epistéme) ou uma sabedoria filosófica (sophía). O agir do direito se prestaria,
acima de tudo, ao agir da phrónesis63. A prudência relacionar-se-ia com uma faculdade
de agir que o jurisconsulto disporia ao poder julgar ou justificar uma situação ou ação
conflitiva e, neste agir, poder utilizar sua sagacidade e exprimir o seu saber. Ela seria
um saber prático, a ser aplicado a cada situação concreta de uma maneira nova e
diferente (GADAMER, 1986, p. 314). Penso que neste agir com prudência, que o jurista
poderia expressar o saber conversacional sentimental, adquirido através do contato com
as narrativas não científicas e que são, ao final, responsáveis por mudanças na forma
como tratamos nossos semelhantes. Neste momento, o jurisconsulto detém a arte de
interpretar, isto é, simultaneamente, (a) entender um texto, (b) o (re-)expor, o
(re-)explicar ou o (re-)construir e (c) o aplicar a um caso concreto. O jurisconsulto não
só disporia da “norma”, mas também dos textos científicos, não científicos,
interpretativos ou não, que giram em torno da prática social em que vive64. Ele não está
preso a norma, podendo, com o entendimento dos fins da prática em que está envolvido,
62 Trabalho aqui com os usos rortyanos dos termos: “The notion of culture as a conversation
rather than as a structure erected upon foundations fits well with this hermeneutical notion of knowledge,
since getting into a conversation with strangers is, like acquiring a new virtue or skill by imitating models,
a matter of phrónesis rather than episteme.” (RORTY, 1980, p. 319). Cf. RORTY, 1982, p. 164.
63 Percebemos aqui, por outro lado, que este saber se relaciona com outros três saberes de
maneira direta (ARISTÓTELES, EN 1139b14-17) e que o saber da phrónesis é mutável, o que não ocorre
com a epistéme e a sophía. Neste contexto, a distância entre arte e phrónesis, apontada por Aristóteles,
não se assemelha àquela que elaboraremos neste texto. Para Aristóteles, a arte é téchne e relaciona-se com
a criação, com a capacidade de fazer, com o estabelecimento de um método de raciocínio e com coisas
que são criadas e não com coisas que existem por natureza ou em conformidade com ela (que têm origem
em si). EN 1140a1 e ss. A interpretação do termo “arte” que utilizo não se aproxima do sentido de téchne
aristotélica. No meu entender, phrónesis e arte andam em paralelo, quando falamos de direito. Para
Aristóteles, a arte enquanto téchne estaria mais próxima da habilidade de fazer e não da capacidade de
agir. Por isso, a phrónesis aristotélica teria, a meu ver, um destaque no atuar que observamos no direito e
que se soma a um outro sentido de arte que utilizarei neste texto: “arte” enquanto “ars” romana.
64 Nesta ação não há uma suposta diferença entre uma interpretação decisória e uma
interpretação científica. Há apenas interpretação. Cf. WARAT, 1979, p. 39.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]