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poderia haver lugar para termos fixos ou noções essenciais, como de “obrigação
incondicional”. O mesmo ocorreria com expressões como “direitos humanos
inalienáveis”. Rorty entende que isso é apenas um slogan, semelhante a outros como “a
vontade de Deus” (RORTY, 1999, pp. 83-85)59. Falar de direitos humanos, explica ele, é
explicar nossas ações no sentido de nos identificarmos com uma “comunidade de
pessoas que pensa da mesma maneira” ou partilha de posições semelhantes. Trata-se de
um debate no qual existe sugestões de como controvérsias sobre questões jurídicas ou
morais são melhor conduzidas. Para ele, não há aqui uma questão envolvida de valor
essencial ou fundamental presente em todos os tempos.
Agora vejamos, diante desse entendimento, a prática do jurista. O processo
jurídico é o seu mais básico ambiente descritivo, no qual se apresentam novas formas de
se lerem os fatos e contar narrativas. Não se trata apenas de ler mecanicamente (sob as
rígidas fronteiras científicas), ou de interpretar e aplicar a norma ao fato, mas antes, em
cada situação, criar/recriar e ler/descrever diferentemente. Se tomarmos novamente o
exemplo de um juiz, este, ao atuar no processo judicial, tem de saber um pouco mais do
que um rígido cientista do direito – o que chamo de jurisperitus –, pois a sociedade
espera que ele não só tenha o saber teórico formal da epistéme (educação formal), mas
que saiba agir com prudência e eloquência60 – o que exigiria dele um certo grau de
educação sentimental. Em outras palavras, ele necessitaria também do cultivo
sentimental (RORTY, 1999, p. 82; cf. RORTY, 1998, p. 180)61, implicando, com isso,
que o mesmo saiba narrar os possíveis usos de termos como “justo” ou “bom” em cada
caso, sabendo que tais vocábulos aparecem em função da prática social de uma
determinada com unidade (e de seus jogos de linguagem). Num sentido rortyano, esperase que o mesmo possa criar formas de descrever problemas e soluções tanto na esfera do
que chamamos “autos do processo”, quanto na esfera política dos espaços públicos,
onde haverão vocabulários, crenças e laços de linguagem de um determinado grupo
59 Aqui a crítica é direta a Ronald Dworkin, ver: RORTY, 1990, p. 281.
60 Cf. GADAMER, 1986, p. 26; ibidem, pp. 312 e ss.
61 Isso não implica que nossos juízes e juízas tenham que ler sobre tudo, neste sentido, é
possível ser cultivado, mesmo tendo diversas deficiências de conhecimento. Segundo Rorty: “We want
our judges to have read widely – to be cultivated men and women – but if one judge cannot read novels,
another cannot read economics, and still another cannot read metaphysics and epistemology, that is no
great matter. Somebody can be cultivated even if he or she has a few blind spots.” (RORTY, 1999, p.
105).
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]