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conformar-se como sendo uma prática social que atende um projeto democrático de
esperança de melhoras futuras; (b) observar-se como práxis explanatória em casos
concretos do uso de outros vocábulos como “justiça” ou “solidariedade”. Lembremos
que Rorty aceitaria que as narrativas científicas, mesmo as que se dariam no âmbito do
direito, continuariam a ser consideradas. No entanto, elas teriam que concorrer com
outras narrativas tão ou mais importantes do que as científicas. Isso se daria, por
exemplo, no momento que uma juíza resolvesse lançar argumentos “filosóficos” ou
“sociológicos” numa decisão ou atuasse em um debate utilizando de sua experiência
sensível, adquirida através da leitura da poesia ou da prosa romancista social.
O emprego do termo “direito” em vários contextos faz nos lembrar, ademais, que
seu conceito não pode ser fixo, sob a consequência de ser perdido no tempo. Importante
é, nos contextos de emprego do termo, lembrarmos de seus contextos sócio-históricos e
suas originais ligações com outras áreas do conhecimento.
Direito e solidariedade
No entender de Rorty, a necessária coexistência com outras pessoas que são
diferentes de nós, em que pese estarem no mesmo grupo ou sociedade, provocaria a
ampliação do sentimento de solidariedade. A contingência da linguagem seria positiva,
trazendo sentimentos de responsabilidade pelo próximo e imprimindo o que ele designa
como “progresso moral”46. Segundo a aproximação rortyana, juristas seriam também
criadores de si próprios, no sentido de que podem escapar do vocabulário moral e
político tradicional, no qual estão socializados e redescreverem (contarem estórias
sobre) seu próprio papel na prática em que atuam. Tornar-se-iam, assim, novas pessoas,
ao “re-formar suas próprias imagens” (cf. RORTY, 1991b, p. 136).
Ao reinventarem-se, os juristas procuram novas formas de descrever o que
interpretam ou analisam, ao observarem expressões como p. ex. “fato jurídico”,
buscariam compreendê-la fora das amarras de descrições estritamente científicas.
46 Como ocorre com outras palavras, o uso da expressão “progresso moral” não implica na
existência de uma essência ou natureza da “moralidade”. Como acima explicado, Rorty se afasta
completamente da explicação filosófica sobre a natureza ou essência de conceitos. Cf. RORTY, 2007a, p.
193.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]