Revista Redescrições | Page 26

26 desejamos entender a ciência e a filosofia de hoje, ele discorda, acima de tudo, da posição referente à necessidade de se apreender a “essência” de alguma coisa para se entender a mesma (essencialismo)42. A posição hermenêutica43, como Rorty procura, é a de elaboração de um novo discurso, de uma outra forma de vermos, p. ex., o uso do termo “fato jurídico”, que, em meu entender, passaria agora a ser vinculado à práxis justificativa desse próprio “fato jurídico”, isto é, às justificações presentes em descrições apresentadas. Somente através das narrativas ou descrições é que podemos inferir se um fato jurídico receberá o rótulo de “verdadeiro”. Essa é a hermenêutica mais desafiadora, a que provoca o conhecimento das justificações da realidade e que possibilita a conversação produtora de novas narrativas. Direito como ciência ou Direito como arte literária? Tanto para Rorty, quanto para outros pragmatistas, o vocabulário da ciência não é mais importante que o vocabulário da literatura. Ambos convivem e se solicitam. Para sociedade em que vivemos são igualmente relevantes. Ao se explicar, a ciência converte-se em um tipo de literatura. Além disso, Rorty acentua a possibilidade de se mesclar vocabulários e fala do uso pelos intelectuais dessas distintivas “ferramentas”. O âmbito do direito que quero alcançar, envolveria as narrativas que entendem que o mesmo é uma ciência social ou humana (Geisteswissenschaft), mas vai além, busca o direito enquanto uma forma, melhor dizendo, um modo de literatura 44. Como Gadamer 42 Cf. RORTY, 1980, pp. 362-363; RORTY, 1999, pp. 57 e ss. Na crítica ao “essencialismo”, vêse a crítica à ontologia e, por conseguinte, à posições ontológicas como a de Heidegger. A compreensão em Rorty não seria vista como estrutura ontológica do Dasein (um Existenzial), já que o próprio ato de classificar algo como ontológico ou ôntico implica uma noção fundamentadora pré-comprensiva. No meu entender, Rorty veria na ontologia heideggeriana um retorno à noção metafísica de fundamento, diante da interação ontológica necessária entre ser e entender (Sein und Verständnis). Cf. HEIDEGGER, 2006, pp. 183, 143 e ss. 43 Para Rorty: “The term “hermeneutic” signals a shift of interest from what can be gotten right once and for all to what can only be reinterpreted and recontextualized over and over again” (RORTY, 2007a, p. 182). 44 Ao comentar a questão da “Bildung” em Gadamer, tratando desse elemento nas ciências humanas, Rorty aponta a importante passagem da noção de “Bildung” (educação, formação) para a noção de “knowledge” ou “Wissen” (conhecimento) como objetivo do pensar. (cf. RORTY, 1980, p. 359). É neste contexto que proponho enxergarmos o Direito. Um Direito que reivindica novas formas narrativas (novas formas de se dizer as coisas), em contraposição a “ciência do direito”, que tem o conhecimento teórico, que reivindica acessar verdades que corresponderiam com a realidade. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]