Revista Redescrições | Page 24

24 depois, sob esta condição, poderemos nos observar criticamente. Em outras palavras, somente podemos dizer, de fato, que fomos educados ou que temos uma educação (ou formação), se antes tivermos tido contato com as descrições do mundo oferecidas por nossa cultura39. Isso inclui aprender (ou reproduzir) os resultados das ciências naturais, mesmo inconscientemente. Somente depois desse passo de aprendizado e “conformação às normas dos discursos que ocorrem ao nosso redor” (conformity to the norms of the discourses going on around us), é que podemos, em outro momento, criticar, se opor ou desvalorizar o representacionismo da realidade executado pelas ciências (ibidem, p. 365). Por que essa crítica rortyana é importante para a questão que estamos tratando? Por dois motivos. Primeiro, podemos ver que Rorty é cético em relação ao discurso da ciência, mas sabe que, de algum modo, já estamos inseridos nele. Para ele, para podermos estar na posição de criticarmos alguma coisa (no caso a ciência), tivemos antes que ter tido um certo contato com a mesma (e.g. conhecer sua técnica). Em outras palavras, temos que ter sofrido um processo educacional social. Segundo, isso é importante para que possamos entender que espécie de hermenêutica é mais interessante ao direito, isto é, que se adaptaria melhor ao campo aberto democrático, de debate cívico e de prática social. A noção de hermenêutica para atuação prática do direito é relevante, mas só ela não funcionaria se a base epistemológica não estivesse de algum modo presente em nossa cultura. O conhecimento científico do direito está dado e é reconhecido, mesmo por aqueles que não são juristas. Ele é reproduzido em livros acadêmicos, em narrativas encontradas em jornais e revistas, em descrições televisivas ou na internet. Entre aqueles que não são profissionais que atuam com o direito, o primeiro contato, enquanto cidadãos, é com a estrutura formal desse saber prático, isto é, seus tribunais, suas normas, seus procedimentos e as suas decisões mais polêmicas. No caso dos juristas, eles tiveram sua formação (Bildung), foram impregnados por teorias que lhe explicaram como agir no ambiente onde se configura sua prática social. Eles já estão, digamos assim, envolvidos pelo saber teórico, ou seja, pela 39 A procura pela objetividade é um primeiro passo necessário à formação, algo que nos põe em “contato com a realidade”. Cf. RORTY, 1980, p. 365. Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]