Revista Redescrições | Page 20

20 realismo norte-americano de John C. Gray30 e Jerome Frank31, no sentido de que o direito só se torna direito após a decisão judicial 32, ou no estilo (b) do realismo escandinavo, que defende uma “consciência jurídica popular” (popular legal consciousness) que determinaria as reações dos juízes 33. A crítica que procuro construir é rortyana, ou seja, na maneira que interpreto, a realidade nos autos do processo surge ao final na argumentação narrativa e seria “con-formada” pelo juiz, todavia, ela sofre influências necessárias da prática social do próprio juiz, sua educação formal e 30 A abordagem de Gray não deve ser in totum criticada, posto que este ajuda a mudar o paradigma jurídico, ao trazer à discussão uma outra forma de aproximação ao direito. Sua abordagem busca levar em consideração “as necessidades da sociedade” (the needs of society) e, mais interessante, “o quanto o direito é adequado ou não adequado à essas necessidades” (how far the Law is adequate or inadequate to those needs) (GRAY, 1909, pp. 1 e 3). Tais necessidades impõem ao juiz uma visão mais crítica das expectativas da sociedade em que vive. “Método deontológico” é o nome dado ao método que lida com a adequação ou inadequação do Direito às necessidades da sociedade (... the consideration of its fitness or unfitness to meet the needs of society). Ele não deve apenas se voltar para os legisladores, entende Gray, mas também para juízes (em países de tradição da common law) e juristas (nos países com tradição da civil law) (GRAY, 1909, p. 3). Este é o ponto em que a abordagem de Gray se aproxima da tradição pragmatista americana: o juiz tem papel ativo na mudança de conceitos e regras da sociedade em que vive (GRAY, 1909, pp. 219 e ss.). Algo que Rorty, talvez, entenderia como positivo. Na visão de Gray, o conceito de sociedade envolve o de aprimoramento dos interesses humanos: “Human society is organized for the protection and advancement of human interests.” (GRAY, 1909, p. 13). Neste sentido, o aprimoramento dos interesses envolve a mudança de valores e, como Rorty defende, a mudança constituise na elaboração de novos vocabulários, os quais o juiz indubitavelmente deve estar preparado em aprimorar. 31 Frank estaria, no entender de Leiter, na ala do grupo de “realistas idiossincráticos”, ou seja, o que determina a resposta do juiz aos fatos de um caso em particular são os fatos idiossincráticos sobre a psicologia ou personalidade de um dado juiz (LEITER, 2002, p. 9). Assim, para Frank, entender a personalidade de um juiz é crucial, quando desejamos saber o tipo de decisão que será alcançada: “The personality, character, intelligence and integrity of our judges determine the kind of judicial justice we obtain” (FRANK, 1931, p. 242). Vale lembrar que a posição de Frank não é semelhante a de outros realistas americanos, como Karl Llewellyn ou Oliver Wendell Holmes Jr. Holmes exclarece desse modo o direito: “O que entendo por direito são as profecias do que os tribunais farão de fato e nada mais pretencioso que isso.” (The prophecies of what the courts will do in fact, and nothing more pretentious, are what I mean by the law) (HOLMES, 1897, pp. 460-461). Um dos componentes que diferenciam Frank dos demais, advém de sua aproximação psicológica ao direito (sua chamada “jurisprudence of therapy”), que recebe uma forte influência de Freud. Cf. DUXBURY, 1991, pp. 180 e ss. 32 Brian Leiter lembra que os realistas americanos, ao observarem como os tribunais decidem os casos, souberam demonstrar que, empiricamente, os juízes não decidem primariamente com base nas leis, mas com base no que poderia ser “justo” ou “equitativo” (fair) sobre os fatos expostos no processo (LEITER, 2002, p. 1). Claro que estamos falando aqui do sistema da common law, mas não podemos de modo algum ignorar que, para os juízes da tradição continental (civil law), os casos são decididos com base nos fatos apresentados (ou na realidad e descrita do processo). Esse é, no fundo, o primeiro estímulo à decisão. Uma semelhança existente com a abordagem rortyana, deriva do fato de os realistas não terem um compromisso tão sério com a criação de uma “ciência” ou com “métodos científicos”, no entender de Leiter, isso é mais uma questão retórica ou uma metáfora utilizada por eles (LEITER, 2002, p. 2). 33 Cf. ROSS, 2007, p. 71. Tal corrente recebe também a influxo da teoria freudiana. Vale lembrar que o realismo escandinavo tem a característica geral de buscar interpretar o direito a partir das respostas ou reações condicionadas psicologicamente por parte de certos agentes, isso no contexto de dados processos e usos da linguagem. O realismo escandinavo, que inclui também o polonês Leon Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]