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(cf. FERRAZ JUNIOR, 1991, p. 154). Esta é a terminologia formal, utilizada para
classificar fatos ou acontecimentos que estão sob a abrangência da ciência do direito.
Mas como podemos associar isso à crítica de Rorty? Para Rorty, a tarefa de
aproximação à realidade pela ciência é ingrata, ainda mais quando estamos a falar de
uma “ciência humana” (Geisteswissenschaft) (cf. RORTY, 1980, pp. 343 e ss.). Nem a
mais pura das ciências pode pretender dizer que consegue descrever acuradamente o
real externo – no caso do direito, o chamado real objetivo. Para muitos juristas, ainda
não é claro que a realidade dependa de descrições (justificadas) para se constituírem em
“o real”. Eles simplesmente narrariam a criação do “fato jurídico” como o resultado do
critério de concretização da norma, ou seja, como resultado de um processo seletivo, no
qual um fato se enquadra numa hipótese normativa. Na dicotomia sujeito-objeto,
adotada pela ciência do direito, sempre estaria presente o que tal ciência chamaria de
“perspectiva subjetiva”. O que quero dizer com isso? Quero dizer que, os fatos, como
ocorreram, ocorrem ou vão ocorrer, devem ser descritos num papel e transportados nos
“autos de um processo”27, apresentado a um juiz, e fazem parte ou são “conteúdo” deste
processo28.
Mesmo que muitos juristas possam não acreditar, os fatos apresentados nos autos
de um processo não correspondem à “realidade objetiva” outrora ocorrida, eles são
apenas justificações do que ela poderia ser. Basta observarmos como se dão as
descrições dos “fatos” nas circunstâncias de um processo judicial. Os fatos podem ser
descritos através da ótica de um servidor público (p. ex. um policial), ou de um
advogado das partes, ou mesmo de um terceiro, caso de um profissional convidado a
opinar sobre um fato no processo (e.g., um psicólogo, um contador, um tradutor
juramentado etc.). Neste sentido, os fatos são, portanto, apresentados por intermédio de
uma descrição limitadora da realidade e não, em termos científicos, uma representação
27 No uso terminológico da ciência do direito, “autos do processo” são um conjunto de
documentos (ou peças) dispostos em uma pasta e que constituem, digamos, o “material” a partir do qual o
juiz toma suas decisões. Neste material, além das descrições de fatos jurídicos, podem haver exposições
argumentativas de pedidos (p. ex. em petições), contra-argumentações de defesa, declarações, pareceres
sobre fatos, certidões, decisões de juízes de várias instâncias (segundo uma ordem hierarquizada), entre
outros.
28 Os fatos entrariam no que seria chamado de “mundo jurídico” (cf. PONTES DE MIRANDA,
1999, p. 52), mas não seria discutido como um fato torna-se fato. O fato admitido pelo direito ganharia o
adjetivo “jurídico” e seria incorporado ao seu conceitual.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]