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A segunda ambiguidade repousa na sua atitude em relação a essas novas
possibilidades “cintilando no nosso horizonte evolucionário”. Seria otimista a sua
“Rede”, prevendo uma melhor chance para a melhoria do homem na nova genética?
Seria ela pessimista, lamentando o final da cultura humanística da qual ele se sabe
(embora, de modo ambivalente) parte? Seria ele, como um de seus leitores afirma,
apenas outro desapontado reacionário em sua torre de marfim com saudosismo de um
passado humanista desaparecido? Ou seria ele, antes, como ele próprio prefere se ver,
um viajante aventureiro no mundo moderno, tentando aplicar seus conhecimentos a
problemas reais, em vez de ser entregue a prateleiras empoeiradas de uma crescente
cultura literária irrelevante?
Os dois pontos estão provavelmente conectados. Se ele realmente acredita que o
códex e o livro de regras são idênticos – que considerar algo possível já significa
realizá-lo, independente das consequências –, considero isso como uma mensagem
profundamente pessimista (e até reacionária). Por outro lado, pode-se ler a “Elmauer
Rede” como sugerindo que a nova genética oferece possibilidades positivas para o
futuro humano. Mas o lado escuro dessa interpretação positiva é que ela nos força a
ponderar se ele realmente acredita que aquelas possibilidades podem somente ser
alcançadas abandonando o mundo de significado pelo mundo da biologia e fazendo
modificações genéticas para alcançar uma espécie mais sábia, suave e amigável.
Sloterdijk não recomenda explicitamente uma revisão genética da humanidade, embora
alguns de seus críticos, valendo-se do tom ambíguo de sua descrição, acusam-no de têlo feito. Também não, de qualquer maneira ele explicitamente desacredita essa
afirmação. A ausência de uma mensagem clara, a suspeita de que ele pretendia lidar com
ambos os caminhos, foi uma das críticas mais repetidas nas respostas a sua palestra.
IV. Genética e debate público
Só na Alemanha o debate seria tão erudito quanto o gerado por Sloterdijk.
Classicistas, filólogos, filósofos, geneticistas e intelectuais de cada canto da Alemanha
culta responderam. Sloterdijk foi massacrado por sua interpretação de Heidegger, de
Nietzsche e de Platão e devido ao uso que fez dos três. Ele foi acusado de ser ignorante
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 131 a 140]