Revista Redescrições | Page 132

132 rigorosa do homem com respeito às suas capacidades biológicas e a sua ambivalência moral. Você se torna o que lê; o Humanismo é uma técnica para reunir as pessoas em vez de fazê-las estrangular umas às outras. De acordo com Sloterdijk, na “Carta sobre o Humanismo” (sobre a qual sua “Elmauer Rede” é um comentário), Heidegger declarou o fim do Humanismo, incitando um fim à dependência de potências externas, sejam elas ontológicas ou teológicas. O homem não é mais para ser pensado em sua relação com outra coisa que não seja o próprio homem. Mas Heidegger não vai longe o suficiente. Sloterdijk o critica por fazer do homem, ao invés, um pastor e porta-voz do Ser, subordinando-o, a algo muito similar ao deus que ele estava tentando substituir, e também por afastá-lo bruscamente de seu eu animal e corporificado. No lugar, Sloterdijk prefere a metáfora do autopastoreio. O homem não é o pastor do Ser, mas é o pastor e domesticador/criador do homem. Se somos primariamente dependentes de nós mesmos para a nossa pacificação e melhoria, o que podemos esperar em termos de técnicas e automelhoria? O que e como podemos ensinar se os livros estão fora de moda, e dois milênios de tradição humanística, como a História recente sugere, têm se provado inútil? Voltando-se para o Assim falava Zaratustra de Nietzsche, Sloterdijk invoca a conexão entre leitura e criação (Lesen e Auslesen, Lektionen e Selektionen). Zaratustra afirma que as pessoas se tornaram fisicamente menores, em decorrência de séculos de exposição ao altruísmo cristão e à “moralidade do escravo” – “ihre Lehre von Gluck und Tugend”. Se você é ou se torna o que você lê, então, por uma cuidadosa escolha do cânone, pessoas podem ser melhoradas ou degeneradas. Essa conexão, Sloterdijk sugere, dá-se de ambas as maneiras. Se o que acontece na mente influencia o corpo, talvez o que aconteça no corpo influencie a mente. Na ausência de um amplo cânone literário de leitura, será possível que nós possamos levar adiante o projeto humanista de reduzir o comportamento selvagem e de “domesticar” a tendência bestial do homem através da criação de civilidade? Heidegger distingue os homens e os outros animais de forma categórica ao enfatizar que os seres humanos vivem em (e fazem) um mundo de significados e não apenas o experienciam. Sloterdijk, por outro lado, estabelece um limite entre os próprios homens: alguns podem ler, outros não podem ler; alguns procriam para Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 131 a 140]