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Como conhecido, Hegel foi quem primeiro formalmente estabeleceu as
fronteiras da filosofia do direito, isto é, sua abrangência ou competência. No § 2 da
introdução do livro “Princípios da Filosofia do Direito”, ele já delimita os contornos do
âmbito da discussão da disciplina. Primeiro, ele afirma categoricamente que: “A ciência
do direito é uma parte da filosofia” (Die Rechtswissenschaft ist ein Teil der
Philosophie). Um pouco antes ele ainda acentua o objeto (Gegenstand) ou temas da
filosofia da ciência do direito, que são “a idéia do direito” (die Idee des Rechts) e “o
conceito de direito e a sua realização” (den Begriff des Rechts und dessen
Verwirklichung) (HEGEL 1995, p. 19). Seguindo esta colocação hegeliana, a filosofia
do direito seria responsável por materializar as mudanças fundamentais na ciência do
direito. Rorty criticaria esse modo de apreensão, posto que diretamente rejeitaria a
atribuição à filosofia do direito de uma papel como teoria fundamentadora da ciência do
direito.
Assim, a filosofia que se preocupa com o direito, numa linguagem rortyana
ampliada, só seria interessante se fosse responsável por narrativas que fariam diferença
junto a justificação do que entendemos como “direito” ou que, ao fim e ao cabo,
poderiam realmente mudar crenças atribuídas a tal “ciência”. Por isso, ela teria uma
importância relativa, com um sentido relevante juntamente com outras narrativas
literárias igualmente importantes11.
Ao levarmos a sério o que Rorty expõe, e se quisermos entender como o
emprego do termo “direito” se daria, é necessário partirmos de narrativas nas quais as
discussões ou conversações podem realmente modificar o sentido e funções da “ciência
do direito” em particular12. As redescrições, que partem da perspectiva mais
11 Contra esta posição rortyana e uma severa crítica a aproximação de Rorty à ciência e a moral,
ver: LEITER, 2007, pp. 929 e ss.
12 O importante aqui é modificar a preocupação científica do direito, voltada, entre outras
coisas, em alcançar explicações acuradas da realidade (representacionismo como “espelho da natureza”)
e, ao lado disso, infundir na filosofia do direito aquilo que, no entender de Rorty, tanto Sellars quanto
Quine holisticamente defenderam, ou seja, a noção de que a justificação filosófica não é uma questão
referente à relação especial entre idéias (ou palavras) e objetos, mas à uma conversação, uma prática
social (RORTY, 1980, pp. 170-171). Neste sentido, nós entendemos o conhecimento como uma questão
de justificação e prática social. Se bem entendemos Rorty, neste espaço é que devemos posicionar o
direito e a filosofia que se preocupa com essa temática.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]